George Câmara
Mestre em Estudos Urbanos e Regionais, ex-vereador de Natal/RN pelo PCdoB, é Diretor Autárquico da ARSEP e autor de livros sobre metrópoles e saneamento básico.
30/01/2025 05h37
A (IN) JUSTIÇA SOCIOAMBIENTAL NAS CIDADES
Tornou-se muito comum, quando se fala em degradação ambiental no planeta, a ideia de que estamos todos igualmente sujeitos aos efeitos nocivos de uma “crise ambiental”, não importando onde e de que maneira as pessoas vivem: em áreas estruturadas, onde moram as camadas de renda mais alta, ou nos locais em que moram populações sob condições de pobreza.
Predomina a ideia de que os riscos inerentes às práticas poluidoras e destrutivas podem atingir qualquer ser humano, independentemente de sua origem, credo, cor ou classe. Ledo engano. Há uma clara articulação entre condições ambientais e condições sociais. A desigualdade ambiental é prima-irmã da desigualdade social.
A maior parte dos riscos ambientais induzidos pela ação humana, seja no processo de extração dos recursos naturais ou na disposição de resíduos no ambiente, recai, de forma desproporcional, sobre os mais pobres e os grupos étnicos desprovidos de poder. Isso não se aplica apenas às pessoas ou grupos sociais, mas se estende também a países e regiões mais pobres.
O próprio pensamento ecológico dominante nos meios políticos, empresariais e nas agências multilaterais, preconiza a concentração dos benefícios do desenvolvimento nas mãos de poucos, bem como a destinação desproporcional dos riscos ambientais para os mais pobres e para os grupos étnicos mais desfavorecidos.
Sob as bênçãos da Organização das Nações Unidas, para onde vão os resíduos (tóxicos, radioativos ou similares) produzidos pelos países ricos? Aonde são instaladas as indústrias de elevado grau de poluição e de degradação ambiental, senão nos países e regiões mais pobres?
Nas cidades e regiões metropolitanas, onde vivem elevados contingentes populacionais, cuja parcela mais pobre sobrevive em situação de elevada precariedade, sob todos os aspectos, é inadmissível que se trate de forma desarticulada as condições ambientais e as condições sociais.
Os Professores Eduardo Cesar Marques e Haroldo da Gama Torres (*), em estudo tratando da análise do risco ambiental no contexto urbano e metropolitano, identificam um quadro de injustiça ambiental em áreas de periferia urbana, a que chamam de “hiperperiferia”, que apresenta as seguintes características:
“A hiperperiferia pode ser caracterizada, de modo preliminar, por aquelas áreas de periferia que, ao lado das características mais típicas destes locais – pior acesso à infraestrutura, menor renda da população, maiores percursos para o trabalho, etc. – apresentam condições adicionais de exclusão urbana. Assim, o estudo das áreas de risco ambiental podem ter um sentido estratégico: evidencia de modo dramático, em alguns casos, a sobreposição cumulativa dos riscos ambientais a diversas formas de desigualdades sociais e residenciais” (MARQUES, E. e TORRES, H. 2001, p.52).
De tanto se conviver com tais mazelas, é pela injustiça ambiental que se chega à reflexão sobre o seu oposto, a justiça ambiental. Para Acselrad, Mello e Bezerra (**) a noção de justiça ambiental:
“Implica o direito a um meio ambiente seguro, sadio, e produtivo para todos, onde o ‘meio ambiente’ é considerado em sua totalidade, incluindo suas dimensões ecológicas, físicas construídas, sociais, políticas, estéticas e econômicas. Refere-se, assim, às condições em que tal direito pode ser livremente exercido, preservando, respeitando e realizando plenamente as identidades individuais e de grupo, a dignidade e a autonomia das comunidades.
(...) Afirma também o direito dos moradores de estarem livres, em suas casas, dos perigos ambientais provenientes das ações físico-químicas das atividades produtivas” (ACSELRAD, MELLO e BEZERRA. 2009, p.16-17).
Nunca é demais perguntar: quando acontecem desastres climáticos causando alagamentos nas grandes cidades, onde alaga primeiro, e por mais tempo? Quais as comunidades que ficam ilhadas? Quando ocorrem deslizamentos de terra, quais os locais de maiores riscos de soterramentos?
A injustiça ambiental é seletiva. É, na verdade, socioambiental. Contrariando o arcabouço legal e o preceito constitucional da função social da propriedade urbana, ela é a prova inconteste da negação do DIREITO À CIDADE para a maioria das pessoas.
(*) MARQUES, E. C. e TORRES, H. G. Reflexões sobre a hiperperiferia: novas e velhas faces da pobreza no entorno metropolitano. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, n. 4, p. 49-70, 2001).
(**) ACSELRAD, Henri; MELLO, Cecília Campello do Amaral; BEZERRA, Gustavo das Neves. O que é Justiça Ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, 2009.
*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).