George Câmara

Mestre em Estudos Urbanos e Regionais, ex-vereador de Natal/RN pelo PCdoB, é Diretor Autárquico da ARSEP e autor de livros sobre metrópoles e saneamento básico.

07/11/2024 09h58

METRÓPOLES BRASILEIRAS: TERRITÓRIOS INGOVERNÁVEIS?

 

A crise estabelecida na rede urbana em nosso país, que ultrapassa o universo das cidades e alcança as regiões metropolitanas, não é um fenômeno isolado. Trata-se de uma crise mais geral que se expressa nas precárias condições de vida do povo, com mazelas que se entrelaçam por todas as esferas da vida das pessoas.

Não são produto do acaso nem o desemprego nem a falta de moradia, como também a falta de cobertura com os serviços de saneamento básico ou a precariedade no sistema de transporte público, muito menos a degradação ambiental ou o brutal aumento da violência urbana, hoje em níveis assustadores. Ribeiro e Santos Júnior (*) consideram que:

“O aumento da violência nas metrópoles guarda fortes relações com os processos de segmentação socioterritorial em curso, que separam as classes e grupos sociais em espaços da abundância e da integração virtuosa, e em espaços da concentração populacional e dos processos simultâneos de exclusão social” (Ribeiro e Santos Júnior, 2010, p. 49).

Esses problemas não são recentes, mas se agravam mais e mais a cada dia. Também não atingem apenas as pessoas, individualmente - o que, por si só, já seria grave. São questões colocadas diante da gestão pública, levando-se em consideração o dever do poder público de cuidar do bem-estar da população, conforme estabelece a Constituição Federal.

Para os mesmos autores, “o surgimento das cidades brasileiras, desde sua origem, exprime as forças de expansão da economia-mundo capitalista e sua capacidade de criar territórios subordinados à acumulação global”, e três aspectos estão na raiz dos nossos problemas urbanos e metropolitanos:

“A industrialização com a formação de uma ‘massa marginal’ constituída por um excessivo exército industrial de reserva; o bloqueio da formação moderna da cidadania; a constituição de poderosos interesses mercantis ligados à acumulação urbana, base do que se pode chamar de ‘poder urbano corporativo’” (Ribeiro e Santos Júnior, 2010, p. 56).

As políticas de desregulamentação, associadas à redução do Estado, a partir da década de 1980, agravaram tais problemas, trazendo como efeito perverso o aumento da exclusão social nas metrópoles brasileiras, destacando-se: crescimento da pobreza urbana e desemprego e aumento de favelas e moradias precárias, com segmentação social e segregação urbana.

Dá-se também, no outro polo, a proliferação de espaços urbanos para as classes alta e média - condomínios fechados e megacentros comerciais - ao mesmo tempo em que surge a crescente diferenciação na oferta de bens e serviços urbanos: excelentes condições para as classes altas, níveis “aceitáveis” para as classes médias e situações de precariedade para as classes populares.

Soma-se a isso a permanente incapacidade do poder público em controlar a ação do crime organizado, sobretudo ligado ao tráfico de drogas e ao comércio ilegal, bem como de responder às formas perversas de integração social pela via da criminalidade e da violência, atingindo fortemente a juventude e gerando a crescente insegurança na sociedade.

É necessário criar condições de governança das metrópoles, com novos arranjos institucionais que promovam a cooperação entre os entes federados em torno dos problemas comuns, criando esferas públicas de participação da sociedade, enfrentando as desigualdades sociais e revertendo a dinâmica segregadora de produção e gestão das cidades.

É o dilema da esfinge: decifra-me ou te devoro! Não há como construir um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento para o Brasil, sem colocar na agenda política, econômica e social a questão metropolitana. Do contrário teremos, cada vez mais, territórios ingovernáveis.

 

 

(*) RIBEIRO, L. C. Q.; SANTOS JÚNIOR, O. A. As grandes cidades e a questão social brasileira: reflexões sobre o Estado de exceção nas metrópoles brasileiras.  In: CASTRO, E.; WOJCIECHOWSKI, M. J. (org.). Inclusão, colaboração e governança urbana: perspectivas brasileiras. Editora PUC Minas, Belo Horizonte. 2010. 364 p.


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