Wellington Duarte

Professor, economista, Cientista Politica, comunista, headbanger, flamenguista, americano e apreciador de Jack Daniels

19/02/2025 08h07
A Crise Fiscal do RN
 
As varejeiras oposicionistas vivem a dizer que o governo estadual é antro de incompetência, isso porque é governado por uma pessoa que é membro do PT, a professora Fátima Bezerra.
 
Para que se entenda esse debate, trago a contribuição do professor Thales Augusto Medeiros Penha, do Departamento de Economia (DEPEC), da UFRN, que é um estudioso das questões fiscais e é Doutor em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) (2012-2016)
 
A Crise Fiscal do Rio Grande do Norte: Um Debate Necessário
 
A administração estadual tem enfrentado duras críticas, especialmente no que diz respeito à gestão fiscal e administrativa. Essas críticas têm origem no estrangulamento orçamentário que o estado enfrenta há quase uma década, com despesas cada vez mais pressionadas por uma receita que representa menos de 1% do PIB nacional. Esse cenário resultou em duas consequências principais, que têm sido o alvo das críticas.
 
A primeira é a dificuldade e os atrasos nos pagamentos de servidores e prestadores de serviços, além da falta de reajustes salariais. Isso tem levado a crises recorrentes de paralisações e greves, um problema que persiste desde 2015, afetando tanto a atual gestão quanto a anterior. A segunda consequência, de caráter político-administrativo, é o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), com gastos acima do limite prudencial na folha de pagamento, uma prática que ocorre desde 2013.
 
Diante desse cenário, o governo enfrenta o dilema de equilibrar as contas em um estado com grandes demandas por serviços públicos, como educação, saúde e infraestrutura, que exigem aumento de gastos. O orçamento estadual tem pouca flexibilidade, dependendo majoritariamente do ICMS, que responde por 90% da arrecadação própria. O restante vem de transferências federais, como o Fundo de Participação dos Estados, sobre as quais o estado não tem controle.
 
Por sua vez, o ICMS tem sido um ponto de desgaste constante. Qualquer ajuste em sua alíquota gera controvérsias: o governo alega necessidade de equilíbrio fiscal, os empresários reclamam dos custos de produção, e a população, já desconfiada, vê com antipatia qualquer aumento de impostos. No início deste ano, a alíquota foi elevada de 18% para 20%, uma vitória para o governo, mas que custou desgaste político e popular.
 
Os secretários da gestão fiscal justificaram o aumento como necessário para cumprir o Termo de Ajustamento de Gestão (TAG) com o Ministério Público de Contas do Estado (MPCE) e para pagar reajustes salariais aos servidores. No entanto, ao vincular o aumento do ICMS a esses reajustes, o governo acabou por alimentar dois fronts opostos: de um lado, os sindicatos passarão a pressionar por aumentos ainda maiores, argumentando que, com mais arrecadação, há recursos para atender suas demandas. Do outro, defensores do Estado mínimo reforçaram o discurso de que a máquina pública é ineficiente e inchada.
 
Essa estratégia de comunicação — se é que houve uma estratégia — expôs o governo a críticas de todos os lados. Mais grave, contudo, foi a perda da oportunidade de debater questões estruturais da gestão fiscal, como a política de incentivos fiscais.
 
De acordo com o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2025, aprovado na Assembleia Legislativa, o Rio Grande do Norte renunciará cerca de R$ 1,6 bilhão em incentivos fiscais — recursos que poderiam ser arrecadados, mas são devolvidos ou deixam de ser coletados. Esse montante equivale a 10% da Receita Corrente Líquida do Estado e supera os gastos combinados com saúde e educação.
 
Entre os programas de renúncia fiscal, destaca-se o Programa de Estímulo ao Desenvolvimento Industrial (PROEDI), que terá um impacto de R$ 867 milhões, beneficiando pouco mais de 200 empresas — o que corresponde a 50% do total renunciado. Em seguida, o regime especial para o setor atacadista consumirá aproximadamente 30% da renúncia total.
 
A lógica por trás desses incentivos é atrair investimentos, gerar empregos e impulsionar o PIB, o que, em tese, aumentaria a arrecadação. No entanto, consultando a literatura econômica sobre o tema essa lógica não tão simples. Há alguns poucos anos atrás, em colaboração com a professora Júlia Araújo num projeto de âmbito do Departamento de economia da UFRN, analisamos casos de incentivos fiscais em diversos países, para ver seus desenhos e resultados. Além disso, em 2009 o Banco Mundial, publicou um trabalho sintetizando os principais achados sobre incentivos fiscais e geração de investimentos. A principal conclusão é que generalizações são difíceis, uma vez que as condições locais e as especificidades de cada país são determinantes. No entanto, alguns consensos emergem.
 
Primeiramente, em regiões menos desenvolvidas, os impactos dos incentivos fiscais costumam ser limitados. Isso ocorre porque os investimentos não dependem apenas de custos fiscais reduzidos, mas também de infraestrutura adequada, acesso a recursos produtivos de qualidade e um ambiente de negócios favorável — fatores em que o Rio Grande do Norte apresenta déficits significativos, o que reduz a eficácia dessas políticas.
 
Outro aspecto relevante é que os incentivos fiscais frequentemente geram distorções, ao beneficiar determinados setores em detrimento de outros. Sem uma política setorial bem estruturada, com instrumentos complementares para desenvolver setores estratégicos, os incentivos podem apenas deslocar investimentos de setores não beneficiados para setores incentivados, sem gerar crescimento econômico líquido.
 
Por fim, os estudos apontam que os incentivos fiscais são mais efetivos quando possuem caráter temporário, com prazos definidos para início e término. Esse horizonte temporal induz os agentes econômicos a aproveitarem o período para investir e melhorar sua competitividade. Quando os incentivos são concedidos sem data-limite, perdem seu efeito indutor, pois não estimulam a adoção de estratégias mais arriscadas para ampliar a eficiência produtiva.
 
No entanto, uma outra questão crítica é a ausência de avaliação adequada dessas políticas. Qualquer política pública relevante deve ser avaliada em relação ao cumprimento de seus objetivos e resultados. Todavia, o programa de incentivo fiscal para a indústria, em vigor desde o final da década de 1980, jamais passou por uma avaliação rigorosa de seus impactos. E, por avaliação rigorosa, refiro-me ao uso de métodos econométricos adequados, capazes de isolar os efeitos das políticas de outras variáveis econômicas. O trecho da LDO para 2025, por exemplo, menciona a geração de empregos nos setores incentivados, mas essa análise é superficial. Qualquer estudante iniciante em economia sabe que o nível de emprego é influenciado por múltiplos fatores, e atribuir resultados a um único fator sem uma metodologia apropriada é, no mínimo, inadequado.
 
Assim, o governo perdeu a oportunidade de promover um debate transparente com a sociedade sobre a alocação do orçamento. E, quando falo em sociedade, incluo também os setores econômicos, que recebem incentivos fiscais, mas continuam prejudicados pela falta de infraestrutura e de mão de obra qualificada — problemas derivados da baixa capacidade de investimento do estado. A pergunta essencial seria: é necessário aumentar o ICMS ou seria possível realocar parte dos incentivos fiscais? Reduzir o volume dessas renúncias, estabelecer prazos claros para seu término, definir metas objetivas para os beneficiários e implementar uma política setorial bem estruturada poderiam ser alternativas mais equilibradas.

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