George Câmara

Mestre em Estudos Urbanos e Regionais, ex-vereador de Natal/RN pelo PCdoB, é Diretor Autárquico da ARSEP e autor de livros sobre metrópoles e saneamento básico.

13/03/2025 05h08
 
UMA PAUSA PARA O OSCAR DO BRASIL: “AINDA ESTOU AQUI”
 
“Um povo que não conhece a sua história está condenado a repetí-la.” 
 
(George Santayana, filósofo espanhol)
 
Nesta coluna, sempre temos abordado a temática relacionada ao desenvolvimento urbano e metropolitano, dando ênfase ao DIREITO À CIDADE e o seu alcance para as pessoas. Fazemos hoje, entretanto, uma pequena pausa para abordar um acontecimento de grande relevância, no terreno das artes, mas com repercussões nas demais áreas das relações sociais, em todas as regiões do planeta. 
 
A conquista, no domingo 02 de março, da estatueta de melhor filme internacional no Oscar de 2025 pelo longa-metragem “Ainda estou aqui”, do diretor brasileiro Walter Salles, é um fato histórico e de alcance alargado. É a primeira vez que ocorre tal vitória, numa disputa que se dá em âmbito mundial, com acirrada concorrência, e revela, antes de tudo, o reconhecimento e a valorização do cinema brasileiro.
 
Com extraordinário elenco, em roteiro a partir do livro de mesmo título, do escritor Marcelo Rubens Paiva, o filme retrata a história de resistência e luta do povo brasileiro contra a injustiça, a tortura e a barbárie: a dolorosa experiência de uma família – entre inúmeras outras – atingida pelos crimes da ditadura militar de 1964-1985. Deixa, entre tantas, duas importantes lições.
Em primeiro lugar, o trabalho da Comissão Nacional da Verdade(*), instituída pela Presidenta Dilma Rousseff em 16 de maio de 2012, com base na Lei 12.528, de 18 de novembro de 2011, tornou possível essa vitória do Brasil e de seu povo, demonstrando que a luta da memória contra o esquecimento tem repercussão universal, por ser uma luta em defesa do estado democrático de direito. Um desafio civilizacional.
 
Um país – e seu povo – amadurecem quando encaram a realidade e extraem as lições trazidas pela história, mesmo quando nela se revelem episódios e fatos que causem vergonha, dor e tristeza. São ensinamentos para as atuais e as futuras gerações. Ensinamentos matreiramente retirados dos livros da história oficial.
 
Conhecer, por exemplo, o que se deu com a escravidão e o tráfico negreiro por mais de três séculos no Brasil, nos dá forças e coragem para que tais atrocidades jamais se repitam. Além de nos permitir implementar as políticas públicas visando a sua reparação histórica, bem como o combate e a superação do racismo.
 
Como enfrentar e reparar, por exemplo, crimes patrocinados pelo nazismo e pelo fascismo no mundo, como o holocausto, escondendo ou apagando a realidade? Não se combate a injustiça omitindo os fatos ou distorcendo a verdade. Antes, cabe a pergunta: por que a verdade nos envergonha?  
 
Sendo o Brasil um país ainda em débito com a sua história em relação à apuração dos crimes patrocinados pela ditadura militar que durou 21 anos, com centenas de mortos e/ou desaparecidos daquele triste e vergonhoso período, a conquista da estatueta do Oscar traz elevada contribuição nessa luta democrática do povo brasileiro, ainda em curso. 
 
Em segundo lugar, a categoria em que se deu a conquista histórica, de melhor filme internacional, torna a premiação uma vitória do trabalho coletivo. É impossível dizer, com precisão, quantas pessoas contribuíram para tal conquista, por mais que se agigantem os desempenhos de cada integrante do elenco.
 
Contrariando a lógica de Hollywood, centrada no culto ao indivíduo, o filme é produto da ação coletiva, por mais que transbordem talentos individuais por toda a equipe vitoriosa. A ponto de merecer ganhar o também disputado prêmio de melhor atriz por Fernanda Torres, no papel de Eunice Paiva, esposa do Deputado Rubens Paiva, assassinado pela ditadura militar.
O talentoso escritor Marcelo Rubens Paiva, filho de Eunice e de Rubens Paiva, autor do livro que inspira o título do filme, também se destaca como protagonista. Não é a primeira vez. Mais de uma geração não esquece o sucesso de outro livro seu, “Feliz ano velho”, de leitura tão frequente nas décadas de 1980 e 1990.
 
Além dessas lições, outras se sobressaem. Entre elas, sobretudo hoje, quando assistimos ao retorno do complexo de vira-latas e de manifestações de falsos patriotas de subserviência aos imperialistas, destaca-se o orgulho de ser brasileiro.
Parabéns às pessoas responsáveis por essa vitória. Ainda estamos aqui!
 
(*) Lei 12.528, de 18/11/2011 – Criou a Comissão Nacional da Verdade no âmbito da Casa Civil da Presidência da República – Alcança crimes cometidos no período de 18/09/1946 a 05/10/1988, conforme artigo 8º do ADCT, CF 1988. A CNV foi instituída em 16/05/2012.
 

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