Eva Potiguara

Eva Potiguara pertence ao Povo Potiguara Sagi Jacu, em Baía Formosa/RN. Graduada em Artes visuais, Mestrado e Doutorado em Educação pela UFRN, é Professora e pesquisadora do IFESP-SEEC, atuando nos cursos de Pedagogia e Letras. É produtora cultural da EP Produções, escritora, ilustradora, contadora de histórias, articuladora nacional do Mulherio das Letras Indígenas, membro da UBE/RN, da SPVA e de várias academias de Letras no Brasil e em Portugal. Tem livros solos infantis e de poesia, publicados no Brasil

13/03/2025 05h46
MATARAM O CORPO DELAS, MAS NÃO SABIAM
QUE ELAS ERAM SEMENTES DE LIBERDADE
 
 
Simone de Beauvoir já dizia:
   
Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. 
Que a liberdade seja nossa própria substância.
 
Mas a liberdade feminina sempre foi vista como ameaça. E como já sabemos, mulheres que desafiaram o patriarcado foram perseguidas, queimadas, assassinadas, ou silenciadas. 
 
Vamos trazer três nomes de mulheres que tentaram apagar, porque ousaram ser livres. Elas foram punidas, mas as suas lutas ecoam até hoje. 
 
Iremos revisitar a história que sempre foi manipulada pelo sistema e enxergar que muitas coisas seguem se repetindo, como se o tempo se tornasse imóvel  e cristalizasse as manipulações e sutilezas patriarcais. 
 
Mas, iremos também observar, que essa estrutura patriarcal não foi capaz de evitar que as mulheres ressurgissem ainda mais fortes a cada geração. 
 
Do Egito, século V. dC, apresentamos a Hipátia de Alexandria, a filósofa que não podia existir, porque era uma mulher que confrontava os homens religiosos e os grandes mestres da época. 
 
Hipátia foi a primeira grande filósofa e matemática da história ocidental.  Ela ensinava ciência em Alexandria e desafiava dogmas religiosos com seus pensamentos críticos.
 
Os bispos poderosos lhe acusavam de bruxaria e os cientistas mesmo não acreditando nisso, ficaram em silêncio, pois sentiam-se ameaçados com o conhecimento de uma mulher que provocava neles um sentimento de humilhação e vergonha.
 
A ira dos homens religiosos se tornava a lei e quando tiveram oportunidade, atiçaram uma multidão para arrancá-la com fúria de sua carruagem e arrastá-la pelas ruas.
 
A torturaram de forma vil e desumana em nome dos seus santos de barro e com cacos de telha, lhe agrediram até a morte em 8 de março de 415 d.C. Depois de queimarem o seu corpo, também destruíram os seus livros. O seu nome quase foi apagado da história.
 
Mas  Hipátia existiu. A sua morte nos remete a uma terrível constatação: mulheres intelectuais, que desafiam o poder das palavras e das ciências, sempre foram vistas como perigosas.
 
A ciência e a filosofia foram historicamente consagradas como habilidades “inatas” masculinas. Quando foi permitido às mulheres estudarem, muitas foram assassinadas antes de serem reconhecidas como capazes de pensar.
 
A violência contra mulheres que desafiam o poder não mudou. O que fizeram com Hipátia, fazem hoje com cientistas, filósofas, professoras e ativistas, que ousam ser livres nas suas pautas antirracistas e antifascistas.
 
Em Apodi, Rio Grande do Norte, no ano de 1825, trazemos Luiza Cantofa. A guerreira indígena que enfrentou a invasão colonial de forma valente e corajosa, liderou 40 homens indígenas do seu povo Tapuia Baiacu Tabajara.
 
Neste enfrentamento aos coroneis e aos seus capangas, ela  foi brutalmente assassinada e o seu nome nunca foi lembrado nos livros escolares do RN como uma heroína, que pagou com a própria vida, a defesa de seu território ancestral. 
 
Mas, Luiza Cantofa vive! O primeiro museu indígena do RN, inaugurado no dia 26 de julho de 2023, em Apodi, região do Alto Oeste potiguar, se tornou o marco de luta desta mulher destemida. O projeto ‘Museu do Índio Luiza Cantofa, idealizado por Lúcia Paiacu Tabajara, atualmente, Cacica do seu povo, foi realizado sem apoio polîtico, mas com recursos arrecadados junto a apoiadores, ao lado da Lagoa de Apodi, onde foram localizados artefatos que comprovam a presença de indígenas da etnia Paiacu na região.
 
O patriarcado, o racismo e o capitalismo, se unem para destruir mulheres que desafiam a ordem e o poder que privilegia uma minoria formada por homens brancos e gananciosos, que ignoram os direitos humanos e seguem seus projetos de opressão. 
No Rio de Janeiro, em 2018, trazemos a Marielle Franco, a mulher negra que o sistema executou. Ela  era da favela, bissexual e política. Lutava contra a violência policial, defendia mulheres negras e LGBTQIA+ e denunciava o genocídio da população negra da periferia do Rio de Janeiro. E isso era inaceitável para o sistema. 
 
Planejaram sua execução e a assassinaram com quatro tiros na cabeça.  
 
Até hoje, os mandantes continuam impunes. O patriarcado e o racismo não toleram mulheres que desafiam o poder e que ousam ser protagonistas.
 
Marielle morreu, mas sua luta se multiplicou, porque quando matam uma de nós, mil se levantam no lugar.  Ela nunca foi apenas um nome. Virou símbolo de resistência e o seu rosto estampa murais, livros, camisas e tantas outras artes urbanas de resistência ao crime organizado e ao genocídios das minorias.
 
A punição para mulheres que não aceitam submissão pode ser a morte, mas nenhuma dessas mortes foi o fim, porque mulheres sempre souberam renascer.
 
Se matam nossos corpos, nossas ideias sobrevivem.
 
Se apagam nossos nomes, a nossa luta ecoa na boca de outras mulheres.
 
Não podemos nos iludir, que nossos direitos estão garantidos e jamais  nossa geração deve relaxar, porque a seguinte pagará um alto preço.
 
Então, que a nossa geração não relaxe, que nunca esqueçamos os nomes daquelas que enfrentaram o poder do patriarcado, para que hoje pudéssemos existir como suas sementes de esperança e  liberdade.
 
 Sobre a autora:
 
Eva Potiguara pertence ao povo Potiguara Sagi Jacu, em Baía Formosa/RN. Graduada em Artes Visuais, mestre e doutora em Educação pela UFRN, é professora e pesquisadora do IFESP-SEEC. Produtora cultural da EP Produções, escritora, ilustradora, contadora de histórias e articuladora nacional do Mulherio das Letras Indígenas. Tem livros infantis e de poesia publicados no Brasil e em Portugal. Ganhadora do Prêmio Jabuti 2023 na categoria Fomento à Leitura e do Prêmio Literatura de Mulheres Carolina Maria de Jesus 2023 do MINC, na categoria Romance.  
 

*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).