Eva Potiguara
Eva Potiguara pertence ao Povo Potiguara Sagi Jacu, em Baía Formosa/RN. Graduada em Artes visuais, Mestrado e Doutorado em Educação pela UFRN, é Professora e pesquisadora do IFESP-SEEC, atuando nos cursos de Pedagogia e Letras. É produtora cultural da EP Produções, escritora, ilustradora, contadora de histórias, articuladora nacional do Mulherio das Letras Indígenas, membro da UBE/RN, da SPVA e de várias academias de Letras no Brasil e em Portugal. Tem livros solos infantis e de poesia, publicados no Brasil
18/06/2024 22h10
Até breve Portugal!
Hoje retorno à Terra Pindorama chamada Brasil, após viver uma diversidade de imersões culturais em solo lusitano que afetou decisivamente o meu olhar para Portugal e para os seus filhos contemporâneos.
Quando eu cheguei em solo português, meu coração estava tenso, mas alerta para enfrentar e se defender de qualquer atitude de racismo, ou de discriminação que fosse vítima.
Entretanto, fui muito bem acolhida, respeitosamente ouvida e reconhecida como mulher Potiguara e escritora indígena. Meu lugar de voz nos diversos momentos das agendas culturais, foi eticamente correspondido com escutas cordiais e trocas amistosas. Inclusive, correspondido para além de minhas expectativas.
Começando pelo meu editor, Nuno Gomes, amante incondicional da literatura e da diversidade cultural, sua postura se mostrou à serviço das rupturas sociais e da sustentabilidade planetária. Sua formação como Biólogo pela Universidade do Porto, suas histórias de vida e experiências frente às adversidades históricas sociais, parece ter lhe conferido um corpo/território sensível às lutas das minorias e da preservação da biodiversidade. Sua dedicação incansável ao sucesso da edição, à divulgação literária, de todas e de todos os escribas da sua editora, sem exceção, foi perceptível aos olhos menos atentos.
Especialmente, a sua defesa e elogio aos processos criativos de mulheres talentosas como a Clara Pinto Correia e a Regina Guimarães, ainda tão pouco reconhecidas como mereciam. A sua admiração aos jovens talentos iniciantes na carreira literária, como o premiado J. Carlos Teixeira, foram atitudes constantes de generosidade no decorrer da Feira do Livro de Lisboa e das programações na Cidade do Porto.
As rodas literárias com a presença de escritoras e escritores de vários países, foram ricas de trocas interculturais, que destacavam o repúdio ao racismo estrutural e institucional, às ações de injustiças sociais ainda presentes no Brasil e em África. Senti-me protagonista no meu lugar de fala e expressão, no qual em nenhum momento fui intimidada, ou silenciada.
Nas diversas conversas dentro e fora da programação agendada pela Editora Exclamação e pela coordenação da Feira Literária Internacional do Interior -FLII, percebi uma fome de conhecimento a respeito dos povos originários do Brasil e uma abertura da maioria em acolher e apreender as narrativas e cosmovisões próprias dos indígenas de Pindorama, a despeito das falácias históricas propagadas pelo conservadorismo colonial.
O meu novo livro “Herdeiros de Jurema”, Romance de Literatura Indígena, lançado pela Editora Exclamação, teve uma receptividade surpreendente. Não esperava que uma obra que tratasse da luta do enfrentamento dos povos originários do RN e da Paraíba contra o regime colonial dos portugueses, teria um impacto exitoso de aceitação.
O mais gratificante, foi notar a espontaneidade das pessoas de todas as idades em ouvir e adquirir conhecimentos sobre os modos de vida dos povos originários e as estratégias de resistência das mulheres e dos homens indígenas perante as opressões da política colonial portuguesa. Tive oportunidade de ouvir depoimentos solidários de empatia de representantes de vários segmentos sociais, destacando suas oposições aos desmandos coloniais do passado e as consequências ainda presentes na desigualdade social dos indígenas e negros do Brasil.
Fiquei admirada com alguns escritores portugueses bem informados a respeito das políticas atuais relacionadas ao agronegócio e suas implicações nos conflitos de terra com os povos indígenas. As manifestações em diferentes momentos das rodas de conversas em favor das reparações históricas aos povos originários foram expressas com entusiasmo e até com pedidos de desculpas de alguns.
Como destaquei na crônica anterior, eu não tinha nenhum interesse em viajar para Portugal a passeio. Eu realmente decidi vir na missão de ocupar o lugar de voz em memória dos meus ancestrais vítimas da colonização e honrar especialmente o meu Povo Potiguara Jacu. Posso dizer que retorno com o coração mais leve e esperançoso por mais rupturas decoloniais, tendo a literatura indígena como mediadora desse processo.
Apesar da necessidade de mais debates decoloniais, estes encontros de imersão intercultural com as escritoras e os escritores portugueses, africanos e espanhóis, indicam o investimento fundamental da literatura indígena para avanços mais emergentes no enfrentamento do silenciamento dos povos originários do Brasil.
Por Eva Potiguara /RN.
18 de junho de 2024.
Sobre a autora:
Eva Potiguara pertence ao Povo Potiguara Sagi Jacu, em Baía Formosa/RN. Graduada em Artes Visuais, Mestrado e Doutorado em Educação pela UFRN, é Professora e pesquisadora do IFESP-SEEC, atuando nos cursos de Pedagogia e Letras. É produtora cultural da EP Produções, escritora, ilustradora, contadora de histórias, articuladora nacional do Mulherio das Letras Indígenas, membro da UBE/RN, da SPVA e de várias academias de Letras no Brasil e em Portugal. Tem livros solos infantis e de poesia, publicados no Brasil e em Portugal. Ganhadora do Prêmio Jabuti 2023 na categoria Fomento à Leitura e do Prêmio Literatura de Mulheres Carolina Maria de Jesus 2023 do MINC, na categoria Romance.
*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).