Eva Potiguara pertence ao Povo Potiguara Sagi Jacu, em Baía Formosa/RN. Graduada em Artes visuais, Mestrado e Doutorado em Educação pela UFRN, é Professora e pesquisadora do IFESP-SEEC, atuando nos cursos de Pedagogia e Letras. É produtora cultural da EP Produções, escritora, ilustradora, contadora de histórias, articuladora nacional do Mulherio das Letras Indígenas, membro da UBE/RN, da SPVA e de várias academias de Letras no Brasil e em Portugal. Tem livros solos infantis e de poesia, publicados no Brasil
Por séculos, tentaram nos apagar. Rasgaram nossas histórias, reescreveram nossas memórias e nos disseram que éramos passado. Nos livros escolares, fomos reduzidos a notas de rodapé. Nas ruas das cidades que cresceram sobre nossos territórios, nos olham como estrangeiros. Mas apesar de tudo, ainda estamos aqui.
Ainda estamos aqui porque nossas raízes são profundas. Elas atravessam o solo ferido pelo desmatamento, rompem o concreto das metrópoles e florescem nos becos e periferias. Ainda estamos aqui porque a memória dos nossos ancestrais não se curva ao tempo. Suas palavras seguem vivas nos cantos que entoamos, nos traços que desenhamos sobre a pele e no fogo que teima em arder, mesmo quando tentam apagá-lo.
O racismo e o patriarcado, pilares do colonialismo, sempre tentaram silenciar nossas vozes. Nos disseram que nossas mulheres eram selvagens, ou insubmissas, ao mesmo tempo em que as violentavam e roubavam sua autonomia. Nos disseram que nossos homens eram selvagens ou preguiçosos, enquanto exploravam seu trabalho e assassinavam seus corpos. Mas não conseguiram nos destruir. Nossa força não vem da dominação, mas da coletividade, do respeito aos mais velhos e do equilíbrio com a natureza.
Ainda estamos aqui porque nunca fomos apenas resistência – somos também reexistência. Recriamos o mundo dentro do mundo, pintamos de jenipapo e urucum os muros que ergueram para nos separar, transformamos as cinzas das aldeias queimadas em sementes que renascem. Cada palavra escrita por uma autora indígena, cada história contada por um ancião, cada criança que aprende seu idioma ancestral é um ato de insubmissão.
Nos querem invisíveis, mas estamos nas universidades, nas artes, na política, nas ruas. Estamos na luta pela demarcação de terras, na defesa das águas e das florestas, na desconstrução dos mitos que inventaram sobre nós. Não nos contentamos com migalhas de inclusão ou com políticas vazias que tentam nos encaixar sem nos ouvir. Exigimos nosso lugar de direito, pois ele sempre foi nosso.
Apesar de tudo – das violências, das tentativas de apagamento, das narrativas coloniais que insistem em nos negar –, ainda estamos aqui. E sempre estaremos
.O projeto colonial-capitalista sempre se baseou na destruição da terra, dos povos, das relações de equilíbrio com o mundo. Reduziram a natureza a um estoque de recursos, as florestas a mercadorias, os rios a esgotos industriais. Nos chamaram de atrasados porque não exploramos a terra até a exaustão, porque não a transformamos em propriedade privada.
Mas agora, diante da crise climática que eles mesmos criaram, perguntamos: será que irão comer dinheiro? O que farão quando o último rio secar, quando o solo não der mais frutos, quando o ar se tornar irrespirável? Ainda insistiram em seus discursos de “ordem e progresso”, enquanto afundam em sua própria destruição?
Se a sociedade não se juntar aos povos indígenas, a vida humana na Terra está condenada à morte. Somos os guardiões das últimas florestas, das águas limpas, da biodiversidade que ainda resiste. Não há futuro possível sem nossos conhecimentos, sem nossa relação sagrada com a terra.
O colonialismo, disfarçado de desenvolvimento, levou o planeta ao colapso. Agora, a única saída é escutar aqueles que sempre souberam viver em harmonia com o mundo. Não há tempo para falsas promessas ou soluções superficiais. Ou rompemos com esse modelo predatório agora, ou não restará nada para as próximas gerações.
Então, o que fazer em prol da vida no planeta?
O primeiro passo poderia ser se juntar a nós contra os desmandos da especulação imobiliária que fere a biodiversidade em favor de paraísos luxuosos e particulares para a burguesia. Ou nos ajudar a proteger as comunidades indígenas que enfrentam a ganância do garimpo ilegal em suas terras. Outra proposta, seria denunciar os crimes das queimadas de nossas matas e fortalecer nossa luta pela preservação da vida.
Pense nisso, mas não demore, pois a Mãe Terra dar a vida, mas exige respeito e não tolera ingratidão.
*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).