Rio Grande do Norte
Audiência pública na AL comemora centenário da romanceira popular Dona Militana
28/03/2025 03h19
Foto: João Gilberto / ALRN
Homenagear a cultura popular do Estado e pensar em ações para dar continuidade ao legado de Dona Militana. Esse foi o principal objetivo da audiência pública desta quinta-feira (27), na Assembleia Legislativa. Proposto pela deputada estadual Divaneide Basílio (PT), em parceria com o deputado federal Fernando Mineiro (PT), o evento reuniu - além da família da romanceira popular - docentes e pesquisadores universitários, escritores, editores, representantes de fundações e de secretarias de Estado.
Após a exibição do documentário “Dona Militana – a senhora dos romances”, confeccionado pela TV Assembleia, a deputada Divaneide Basílio elogiou o trabalho e garantiu que a contribuição cultural da “maior romanceira do Brasil” permanecerá viva na memória dos potiguares.
“Que lindo, né? Uma história contada por tanta gente querida e que com certeza terá continuidade na memória dos norte-rio-grandenses. Por isso, gostaríamos de agradecer a presença da UFRN, da UERN e do IFRN, pois a gente sabe que as instituições de pesquisa, ao se fazerem presentes, trazem ainda mais autoridade a este debate”, disse a parlamentar.
Em seguida, a neta de Dona Militana, Lídia Nogueira, discursou em agradecimento à celebração do centenário de sua avó.
“Eu não costumo falar em público, mas não poderia deixar de agradecer a todos por esta homenagem tão bonita à minha querida avó. Então, eu agradeço à propositora, deputada Divaneide, por colocar luz sobre a memória de uma mulher tão especial, no ano de seu centenário. Dona Militana foi uma das maiores romanceiras do Brasil, carregando na voz e na memória uma tradição antiga, passada de geração em geração, e que quase sempre vive esquecida nas comunidades do interior”, iniciou.
Segundo Lídia, sua avó era uma mestra da cultura oral, conhecida por seus romances, cantos longos, rimados, cheios de personagens, histórias de amor, batalhas e encantamentos.
“Era impressionante como ela lembrava de tudo, sem precisar escrever nada, e cada palavra saía com emoção, verdade e força”, acrescentou.
Relembrando a parte mais íntima de sua história, Lídia Nogueira contou que, em casa, Dona Militana era apenas a ‘sua avó’, aquela que cuidava de todos, contava histórias e cantava para acalmar o coração.
“Só depois de mais velha é que eu fui entendendo o quanto ela era respeitada fora dali e o quanto ela representa não só a nossa família, mas também a cultura popular nordestina. Por isso, estar aqui hoje representando a minha família é motivo de muito orgulho, pois o legado de Dona Militana não pertence só a nós; pertence ao povo do Rio Grande do Norte e do Brasil. É tanto que, em 2005, ela recebeu das mãos do presidente Lula a Comenda Máxima da Cultura Popular, sendo considerada sua principal guardiã, e eu estive lá com ela”, relembrou, orgulhosa.
Finalizando seu discurso, a neta de D. Militana agradeceu novamente e ressaltou que a romanceira deixou um exemplo de resistência, de sabedoria popular e de como a arte pode nascer da fala, da escuta e da convivência.
“Eu gostaria de agradecer a todas as pessoas envolvidas, tanto pela homenagem quanto por manterem viva a memória da minha avó - não apenas como avó - mas como romanceira, mulher forte e guardiã de uma cultura que precisa ser respeitada e preservada”, afirmou, encerrando sua participação cantando um verso da sua avó.
Em seguida, a bisneta da homenageada, Maria Militana, filha de Lídia Nogueira, cantou, emocionada, um romance da sua bisavó.
Dando continuidade aos pronunciamentos, o deputado federal Fernando Mineiro destacou a relevância da audiência.
“Este ano é o centenário de Dona Militana, então é uma data para todo o RN comemorar, lembrar e conhecer o trabalho da maior romanceira do Brasil, que também é Patrimônio Cultural Nacional, desde 2005. Portanto, este momento é um reconhecimento muito importante para os nossos artistas populares”, ressaltou o parlamentar, acrescentando a referência que é a Dona Militana para a cultura brasileira.
Segundo a professora e pesquisadora da UFRN, Graça Soares, sua fala foi de agradecimento a todos que contribuíram para a realização da homenagem.
“Esta audiência foi uma solicitação da deputada Divaneide, que apoiou também a realização da exposição ‘Dona Militana’, que se encontra na Pinacoteca do Estado e segue até o domingo, 30 de março”, disse.
De acordo com a docente, D. Militana foi uma romanceira potiguar que teve reconhecimento no cenário nacional, encantando pessoas ao cantar romances que tiveram sua origem no século XII.
“Certamente ela, no seu cantar, coloriu suas narrativas à luz da própria interpretação, ora ampliando os enunciados, ora apagando alguns atos de fala, ora possivelmente substituindo alguns deles; dentre outras operações linguístico-discursivas comuns ao processo da narração”, detalhou.
Ao final, Graça Soares falou que todos os integrantes da editora da UFRN se sentiam honrados pela celebração, “já que, há alguns anos, a professora doutora Ângela Almeida decidiu desenvolver um projeto de pesquisa que tem, por enquanto, dois produtos dele decorrentes: o livro e a exposição; desencadeando, assim, as homenagens no ano do centenário da grande mulher que foi Dona Militana”, concluiu.
Em seguida, o professor, escritor e editor, Elton Rubiano, definiu-se “imensamente satisfeito por participar de um evento para enaltecer a memória de Dona Militana, uma mulher que se tornou símbolo da força da cultura popular potiguar e cujo trabalho felizmente segue vivo, fato que pode ser comprovado aqui na presença de tantos admiradores do seu legado”.
Para ele, Dona Militana é presente; não apenas passado. “Sua voz continua ressoando, seus versos continuam percorrendo o tempo. É com esse espírito que a editora da UFRN publicou o livro ‘Dona Militana: tradução estética de narrativas da romanceira potiguar’, que é um gesto de reconhecimento e de celebração. Para além da tradução estética, está o desafio editorial de transformar uma manifestação oral, marcada por improviso, ritmo e entonação, numa obra escrita, que se pretende perene. Isso nos exigiu uma escuta atenta, respeitosa e generosa, com o intuito de construirmos um objeto digno de sua herança cultural, servindo como testemunho da riqueza da oralidade brasileira”, explicou o editor.
Ainda segundo Elton Rubiano, produzir um livro assim é muito mais do que realizar processos técnicos: “é um ato político”.
“É afirmar que a voz de uma mulher negra, periférica e sem escolaridade formal é digna de ser estudada, registrada e difundida com o mesmo cuidado que se dá às grandes obras da nossa Literatura. Ao publicar este livro a Editora da UFRN reafirma seu papel como agente de memória, ampliando sua atuação para além das publicações acadêmicas e cientificas, abraçando com igual compromisso a Cultura Popular e as vozes que, muitas vezes, foram deixadas às margens”, concluiu.
Na sequência, foi a vez do discurso da autora do livro citado anteriormente - Ângela Almeida - que também é artista plástica e professora doutora da UFRN, além de curadora da exposição em homenagem a Dona Militana.
“Nós pensamos em Dona Militana porque temos um trabalho já desenvolvido na editora, há mais de dez anos, com esse olhar de socialização da Cultura. Então, nós tivemos também Chico Daniel e outros artistas locais, assim como ainda teremos tantos outros. Portanto, essa socialização é um eixo importante nas publicações da editora”, disse.
O segundo ponto destacado pela professora foi que “quando você começa uma pesquisa, é um trabalho solitário; mas quando a equipe da editora entra, posteriormente, a semente que era pequena vai tomando uma força gigantesca. E a nossa equipe é pequena, mas é coesa e muito eficiente. Então, quando o meu texto vai para as mãos de Rafael, ele ganha beleza, vai embora, explode; e quando ele chega nas mãos de Elton, o texto já sai limpo, maravilhoso. Portanto, eu sou privilegiada como pesquisadora por trabalhar com uma equipe tão comprometida”, finalizou, reforçando que “a ideia de levar a vida e a obra de Dona Militana para as escolas é fundamental para o Estado”.
Continuando as falas, a escritora, pesquisadora e produtora cultural, Tereza Oliveira, autora do livro “Militana Salustino, romanceira centenária”, que será lançado nesta sexta-feira (28), às 15h, na Pinacoteca do Estado, contou um pouco sobre a sua obra e também a sua visão acerca da vida e dos trabalhos da homenageada.
“A paixão que Dona Militana teve pela cultura popular - mesmo sendo analfabeta - vem de berço. Seu Atanásio, o avô dela, era mestre de Boi de Reis e de Fandango; e D. Militana cantava não só os romances, mas também as toadas de boi e as músicas do Fandango. Além disso, ela aprendeu, desde sua infância, a tradição em relação ao artesanato”, revelou.
A respeito do seu livro, a autora explica que ele “é um compilado de toda a vida de Dona Militana, desde a infância até o último evento em sua homenagem que foi realizado no dia 19 de março deste ano, em São Gonçalo do Amarante”.
Falando em nome da UERN, a professora Irene Van de Berg, ressaltou que “a universidade está de portas abertas a toda e qualquer ação que envolva Cultura e Educação, dentro daquilo que seja possível à instituição contribuir”.
Ela disse ainda esperar que a audiência dê visibilidade real aos mestres da cultura popular, “para que tenhamos inúmeras outras audiências de reconhecimento a muitos outros artistas locais”, concluiu.
Em seguida, o reitor do IFRN, professor José Arnóbio, garantiu que “todos os IFRNs estão à disposição para compartilhar o conhecimento relativo à cultura potiguar”.
Arnóbio enfatizou ainda o fato de que existem muitas outras mulheres e homens que mantêm viva a cultura popular, mas que são invisíveis aos olhos da maioria da população.
“Dona Militana era muito conhecida em São Gonçalo, mas por outras ações. E, se não fosse o professor Deífilo Gurgel, que foi para lá em outra missão, talvez até hoje ela fosse invisível, como são outros artistas principalmente do Norte e Nordeste. Daí percebemos a importância de sempre tentar resgatar a memória do nosso povo”, finalizou o reitor.
Segundo a representante da Secretaria de Estado da Cultura (Secult), Rosa Moura, “os gestores da Cultura possuem grandes desafios que muitas pessoas nem imaginam”.
“Mas nós tentamos garantir, ao máximo, as escutas com os diversos grupos da sociedade. Nos nossos editais, nós reservamos vagas, por exemplo, para os mestres da cultura, comunidades quilombolas, povos ciganos, povos de terreiro e à comunidade do circo também”, explicou a representante da Secult, garantindo que a secretaria está sempre aberta a sugestões e para tirar dúvidas de toda a população”.
Por fim, o representante do Escritório do Ministério da Cultura no RN, Adler Barros, ressaltou a importância da temática e o compromisso da pasta com a cultura popular brasileira, principalmente com a Política de Identidade e Diversidade Cultural.
“O Ministério da Cultura tem investido bastante no RN. No ano passado, por exemplo, foram mais de 150 milhões de reais através do fomento direto, modalidade em que o artista recebe o recurso e já pode começar a executar suas obras. E nunca na história houve uma política tão forte e tão robusta como a atual, que envolve as leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc, com os recursos assegurados até 2027”, assegurou.
Ao final da audiência, a deputada Divaneide Basílio citou, como encaminhamentos:
“Promover o ‘Circuito Dona Militana nas escolas’ e, para além da homenageada, os registros etnográficos da cultura popular e prêmios de qualidade para os mestres da cultura popular; socializar o documentário ‘Dona Militana – a senhora dos romances’, feito pela TV Assembleia, não apenas nas escolas, mas em outros espaços; circular a exposição ‘Dona Militana’ por todo o RN; manter diálogo sobre a mudança temporária do nome do aeroporto Augusto Severo para Dona Militana, em todo mês de março; realizar um festival em homenagem à cultura popular; organizar uma conferência entre mulheres com homenagem específica a D. Militana; criar o Fórum de Cultura Popular no Estado; analisar a possibilidade de aquisição de livros relacionados à cultura popular para as bibliotecas de escolas e órgãos públicos; propor a inclusão do estudo da cultura popular na grade curricular das escolas do Estado; ajudar a família na construção do ‘Memorial Dona Militana’; e pensar numa data específica e propor uma lei para celebrar a cultura popular no Estado”.