Fernando Luiz

Cantor, compositor, escritor e produtor cultural. Formado em Gestão Pública, apresenta programa Talento Potiguar, aos sábados, às 8:30 na TV Ponta Negra, afiliada do SBT no RN.

28/04/2024 06h00

O BREGA JÁ “FINANCIOU” A MPB

No ano de 1975, Caetano Veloso escreveu um artigo chamado “Mil tons”, dedicado a Milton Nascimento. O texto se encontra no livro “Eu Não Sou Cachorro Não”, do jornalista baiano Paulo Cézar de Araújo. Caetano, ao falar sobra a autonomia que os ícones da MPB têm para criar suas obras e gravar seus discos sem se preocupar com retorno financeiro, afirmou no seu artigo: “Para que alguém possa fazer “Qualquer Coisa” e “Jóia” (dois LP’s que Caetano Veloso lançou simultaneamente naquele ano), é preciso que as gravadoras tenham no seu cast artistas como Odair José e Agnaldo Timóteo. O universitário que tenta me entrevistar e que quer salvar a humanidade, fica indignado diante do meu respeito pelo trabalho de colegas como Odair e Agnaldo”.

Está claro que, em termos de música, o Brega muitas vezes financiou a MPB, principalmente durante os anos do regime militar, quando grandes nomes da nossa música tinham que inventar pseudônimos e utilizar nas letras das suas canções uma linguagem velada, cujo significado oculto passava despercebido pela censura e pela grande maioria das pessoas.

Ao escrever o artigo, Caetano não emitiu uma opinião; ele simplesmente afirmou uma grande verdade: a de que, para investir na produção de discos como “Clube da Esquina” e “Minas”, de Milton Nascimento, e “Qualquer coisa” e “Jóia”, do próprio Caetano, as gravadoras precisavam do lastro financeiro – leia-se “lucro”- proporcionado pela vendagem de discos de artistas populares considerados cafonas como “Galeria do Amor”, de Agnaldo Timóteo, “Pare de Tomar a Pílula”, de Odair José, “Tudo Passará”  de Nelson Ned, “O Supremo Rei do Bolero” de Waldick Soriano, “O Ídolo Negro”, de Evaldo Braga, “Só Lembranças” de Bartô Galeno, “Você é Doida Demais” de Lindomar Castilho e “O Apaixonado,” do mossoroense Carlos André (tema do meu artigo anterior), gravado em 1975 – por coincidência no mesmo ano em que Caetano  lançou “Qualquer coisa” e “Jóia” - e que vendeu na época meio milhão de discos.

Além da importância dos cantores considerados cafonas e de sua contribuição para o fortalecimento da MPB, principalmente nos anos setenta, precisamos voltar um pouco mais no tempo, para percebermos que desde o final dos anos cinquenta e início dos anos sessenta os cantores de músicas romântica sempre lastrearam, com seus discos de sucesso, as carreiras de cantores da MPB. Anísio Silva, que ao longo de sua carreira vendeu mais de dez milhões de discos, autor do sucesso imortal Alguém me Disse, o gaúcho de Santana do Livramento, Nelson Gonçalves, - que alcançou a extraordinária marca de 75 milhões de discos vendidos ao longo dos seus 47 anos de  carreira - e Cauby Peixoto (só para citar três grandes vendedores de discos do Brasil), considerado um dos mais versáteis intérpretes da música brasileira em todos os tempos, criador da consagrada Conceição. Estes três cantores já eram sucesso quando surgiu a Bossa Nova em 1958. Até o movimento se firmar, conquistar o Brasil e posteriormente o Mundo, os cantores populares, com as vendas espetaculares dos seus discos, contribuíram de maneira decisiva para o fortalecimento do movimento no seu nascedouro. Portanto, a música brega já ajudou até a Bossa Nova...

 Mas isto é assunto para outro artigo.

Fernando Luiz é cantor, compositor, apresentador e produtor cultural.

Instagram: @fernandoluizcantor


*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).