Fernando Luiz

Artista e escritor

28/07/2024 11h13

UM GRANDE ENCONTRO

 

Um dos maiores clássicos da música brega é uma canção de Odair José, gravada em 1972 e que foi um grande sucesso. Conhecida como Pare de Tomar a Pílula, a canção, como aconteceu com Tortura de Amor, de Waldick Soriano, também incomodou o regime militar.

Em maio de 1973 a gravadora Phonogram organizou um evento no Anhembi, em São Paulo, que originou o disco Phono 73, só com artistas da gravadora, entre os quais Vinícius de Morais, Toquinho, Maria Bethânia, Chico Buarque, Gilberto Gil, Elis Regina, Fagner, Jorge Ben, Jorge Mautner, Luís Melodia, Wilson Simonal, Ivan Lins, Raul Seixas, Wanderléa, Caetano Veloso e Odair José.

Segundo afirma o escritor e jornalista baiano Paulo César de Araújo, no livro Eu Não Sou Cachorro Não – música popular cafona na ditadura militar, foi o próprio Caetano que sugeriu a Odair José que os dois cantassem a música Pare de Tomar a Pílula juntos. Ainda segundo o escritor, o diretor da Phonogram, André Midani, alugou um teco-teco para Odair se encontrar com Caetano em um sítio no interior de São Paulo afim de combinar os detalhes da apresentação dos dois no show. A estratégia inicial da gravadora era que Caetano cantasse junto com Hermeto Pascoal, considerado na época um dos baluartes da vanguarda musical brasileira, mas Hermeto – conhecido no meio musical como o bruxo – não quis cantar com Caetano, o que fez com que este decidisse radicalizar: resolveu cantar com Odair José, considerado o artista mais cafona, e maior vendedor de discos do cast da gravadora.

O espetáculo, denominado Phono 73, se realizou durante quatro noites seguidas e a última noite foi anunciada como “uma noite incrível reunindo o maior espetáculo de música brasileira de todos os tempos”.  Na hora de subir no palco para cantar a música com Caetano Veloso, Odair José, anunciado como “atração surpresa” foi recebido com uma vaia impiedosa. Ninguém conseguia ouvir a voz de Odair, que cantava acompanhado por Caetano ao violão. Naquela noite, Caetano, irritado, gritou para a plateia a frase que se tornou famosa: “Não existe nada mais Z do que público classe A”.

Durante a minha trajetória artística, por escrever e interpretar canções simples e de fácil assimilação, fui considerado um cantor cafona e tive que lutar muito – ainda continuo lutando – para que os artistas populares não sejam vítimas do que eu denomino de “bullyng cultural” e continuem sendo chamados pejorativamente de “cantores de brega”.

Sempre fui admirador e tive o privilégio de ser amigo de “Pedrinho da Padaria” (batizado artisticamente por Carlos Alberto como Carlos Alexandre) – que, apesar de ser um dos maiores artistas brasileiros, nunca teve no estado onde nasceu o tratamento que merecia. Era respeitado e idolatrado em todo o Brasil, mas no Rio Grande do Norte, mesmo no auge do sucesso, só fazia shows em circos (onde muitas vezes deixava a renda da bilheteria para os proprietários dos circos) e em comícios (onde cantava Feiticeira em ritmo de frevo – talvez temendo ser ridicularizado); em Natal, nunca foi contratado para fazer um show em um clube (pelo menos que eu tenha tomado conhecimento). A única vez que subiu em um palco numa casa de shows de Natal foi em abril de 1987 para se apresentar na IV Noite do Cantor Potiguar, show anual idealizado por mim. Em 1981 e 1982, as duas primeiras edições aconteceram no Luar do Sertão, no Alecrim. Entre 1983 e 1988, os shows se realizaram na Casa da MPB, na Praia do Meio. Carlos Alexandre participou da edição de 1987, ao lado de Evaldo Freire, Getúlio Marques, Geraldo Néri, Frank José, Fernandes Brito, Vicente Santiago, Amanda Costa, Jean Menezes e Selminha.

Hoje, decorridas mais de três décadas da sua morte, a obra de Carlos Alexandre começa a ser resgatada. No ano passado, graças ao deputado Ubaldo Fernandes, foi criado o Dia Estadual do Brega, que agora é lei. Este ano. para comemorar a data, a associação cultural ANDAR, criada por mim em 2000, realizou na quinta-feira passada o Grande Encontro do Brega, no teatro Alberto Maranhão, através da Fundação José Augusto, por meio de uma emenda parlamentar do deputado Ubaldo Fernandes.

Na última quinta-feira, o teatro Alberto Maranhão, templo da cultura potiguar, recebeu um espetáculo musical que quebrou um tabu, quando cinco artistas populares cantaram músicas bregas e foram ovacionados pela plateia. Foi, literalmente, Um Grande Encontro.

Fernando Luiz é cantor, compositor, escritor, produtor cultural e apresentador do programa Talento Potiguar, que é exibido aos sábados, às 8:30 pela TV Ponta Negra, afiliada do SBT no RN.

Instagram: @fernandoluizcantor

 


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