Fernando Luiz
Cantor, compositor, escritor e produtor cultural. Formado em Gestão Pública, apresenta programa Talento Potiguar, aos sábados, às 8:30 na TV Ponta Negra, afiliada do SBT no RN.
18/08/2024 07h49
A NOITE MAIS ESCURA
Em meados da década de oitenta, durante o verão, uma adolescente que dizia se chamar Regina Taylor, vendia pastéis na praia da Redinha e para aumentar suas vendas, usava um “marketing” diferente: se identificava como dançarina do Circo Guarani, do palhaço Bolachinha. Além de proprietário do circo, Bolachinha, era palhaço, dublador de Amado Batista e locutor; ele anunciava Regina Taylor como “a espetacular dançarina Regina Telha”. O circo de Bolachinha, onde eu, Carlos Alexandre e Evaldo Freire cantamos várias vezes, nunca teve cobertura e, a cada ano, passava a metade do verão na Redinha e a outra metade na praia de Pipa.
O tempo passou, os circos pequenos começaram a enfrentar a concorrência dos eventos de grande porte e centenas de artistas circenses passaram a viver em situação de extrema pobreza ou procurar outros meios de sobrevivência.
Em março de 2013 a Câmara Municipal de Natal realizou uma audiência pública para discutir a situação de músicos, cantores e artistas sem trabalho, vivendo em dificuldades – entre estes, os artistas circenses - e sem o apoio do poder público. Eu estava lá. Aquela audiência, pra mim, foi uma das mais importantes pois, pela primeira vez, vi palhaços de circo, humoristas, músicos profissionais, cantores e artistas de vários segmentos ocuparem a tribuna da CMN para expor as dificuldades enfrentadas pelos artistas populares da nossa cidade, em virtude do reduzido mercado de trabalho para eles.
Já se passaram 11 anos, mas eu não esqueci aquela audiência pública pois, além da importância daquele acontecimento, um fato chamou a minha atenção: num determinado momento entrou no plenário uma vendedora de pirulitos. Era a filha do palhaço Michelin, dono de um pequeno circo que teve de encerrar as atividades por falta de apoio. E aquela menina, com aquela tábua de pirulitos no plenário da Câmara Municipal, tentando vender seus pirulitos aos vereadores e aos artistas presentes, me relembrou Regina Taylor, com uma diferença: enquanto a dançarina do circo de Bolachinha vendia pastéis na praia da Redinha no verão para obter uma renda extra, a filha de Michelin vende pirulitos pelas ruas de Natal diariamente porque seu pai, tendo sido obrigado a encerrar as atividades do seu pequeno circo, a exemplo de centenas de artistas populares esquecidos pelo poder público, não podia sustentar a família trabalhando na única coisa que sabia fazer: ser um profissional da arte circense.
O circo, como as boates e as bandas de baile, é uma grande escola para qualquer cantor iniciante. Centenas de cantores famosos passaram pelos picadeiros dos circos antes de conquistarem o sucesso: entre eles estão as duplas Chitãozinho e Xororó, Leandro e Leonardo, e Zezé Di Camargo e Luciano, Paulo Sérgio, Odair José, Sidney Magal, Waldick Soriano, Lindomar Castilho, Sandro Becker, Reginaldo Rossi e o maior dentre todos: Roberto Carlos; estes são apenas alguns exemplos da importância dos circos na trajetória de cantores populares.
No LP San Remo 1968, relançado em 1975 pela gravadora CBS, só com músicas de Roberto Carlos extraídas de compactos simples gravados por ele e algumas canções que faziam parte da coletânea As 14 Mais, que a CBS lançava anualmente, o DJ Big Boy, que marcou época na Rádio Mundial do Rio de Janeiro nos anos 70 com os programas diários Big Boy Show e Ritmos de Boite, escreveu na contracapa desse LP:
“Desde o início da sua carreira, imitando João Gilberto e Elvis Presley, interpretando versões, percorrendo os corredores das rádios, indo a shows longínquos em ônibus, trens etc., cantando muitas vezes de graça em circos e em caravanas de artistas novos, Roberto pode ser apontado como um autêntico exemplo para o artista que se inicia na carreira: ele passou por todos os caminhos, disputou com tenacidade – mas com muita fé – seu lugarzinho ao sol, assimilou e aprendeu o máximo daquela fase inicial de incertezas, mas indispensável à formação de qualquer grande artista”.
Moacir Franco em um depoimento emocionante, registrado em vídeo, que pode ser visto pelo Youtube*, contou como depois de um show em um circo na cidade de Indaiatuba, cantando para uma plateia de apenas 15 pessoas numa noite chuvosa, conheceu João Mineiro e Marciano, - na época uma dupla ainda desconhecida do grande público - que pediram a ele permissão para regravar uma antiga música que o próprio Moacir tinha gravado no LP Pedágio e que não tinha sido sucesso. Permissão concedida, João Mineiro e Marciano gravaram a canção. O disco vendeu dois milhões de cópias e rendeu à dupla um disco de platina.
No vídeo, antes de cantar a música que catapultou a carreira da dupla sertaneja e mudou a sua vida como compositor, Moacir Franco diz uma frase que pode servir de estímulo para qualquer pessoa que está na escuridão, num momento de dolorosa incerteza, sem enxergar uma luz no fim do túnel: “Quando a noite estiver mais escura é porque está perto de amanhecer”.
*Para assistir o vídeo citado no texto, acesse www.youtube.com/moacyr franco no circo.
Fernando Luiz é cantor, compositor, escritor, produtor cultural e apresentador do programa Talento Potiguar, que é exibido aos sábados, às 8:30 pela TV Ponta Negra, afiliada do SBT no RN.
Instagram: @fernandoluizcantor
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