George Câmara
Mestre em Estudos Urbanos e Regionais, ex-vereador de Natal/RN pelo PCdoB, é Diretor Autárquico da ARSEP e autor de livros sobre metrópoles e saneamento básico.
23/08/2024 10h40
É POSSÍVEL A JUSTIÇA SOCIAL NA OCUPAÇÃO DO SOLO URBANO?
A cidade contemporânea é desigual e o processo de urbanização tem produzido e aprofundado muitas das desigualdades e injustiças existentes nela. Nas cidades, sempre encontramos as mazelas da exclusão social, da segregação espacial e da degradação ambiental. Sempre em desfavor da população mais vulnerável, o que configura uma grande injustiça.
Como se pensar uma cidade inclusiva, justa e igualitária, para todos? E como transformar o exercício desse pensamento em realidade, diante de cidades tão marcadas pela desigualdade, como acontece pelo Brasil afora?
Ao tratar da cidade como um espaço de justiça para as pessoas, é preciso associar os debates sobre a urbanização com os debates sobre a justiça social, considerando tanto a ideia de justiça como a discussão sobre o espaço de convivência coletiva dessas pessoas: no caso, a cidade.
O Professor Henri Lefebvre (*) afirma que:
“A reflexão teórica se vê obrigada a redefinir as formas, funções e estruturas da cidade (econômicas, políticas, culturais, etc.), bem como as necessidades sociais inerentes à sociedade urbana. Até aqui, apenas as necessidades individuais, com suas motivações marcadas pela sociedade dita de consumo (a sociedade burocrática de consumo dirigido) foram investigadas e, aliás, foram antes manipuladas do que efetivamente conhecidas e reconhecidas” (LEFEBVRE, 2001, p. 103).
Não há como fugir da pergunta inicial: para nós, qual o significado da palavra “justiça”? Apenas a aplicação e a elaboração das leis? Mas quando uma lei não é justa, temos justiça aí?
Embora o termo justiça social esteja presente com frequência nos movimentos sociais e até mesmo nas leis e na própria Constituição Federal, sua aplicação ainda é muito distante. Na definição da ocupação do solo urbano, por exemplo, há uma visível desigualdade.
No contexto urbano, a organização do espaço da cidade produz e intensifica a desigualdade entre os grupos sociais, que acabam se aproximando segundo o padrão de grupos étnicos, da necessidade de proximidade de determinadas instituições ou mesmo pela busca de uma melhor qualidade de vida.
Entretanto, toda a dinâmica desse processo está subordinada ao elemento “mercado da terra” na cidade, que obedece à lógica capitalista. Dessa forma, a ocupação é realizada, primordialmente, de acordo com a capacidade financeira dos indivíduos.
Sendo o solo urbano disponível muito limitado, possui um valor financeiro maior. As parcelas do solo, que são mercantilizadas, são indispensáveis aos indivíduos e corporações, pelo fato de representarem o lócus de sua reprodução.
O solo urbano, mercantilizado, recebe um valor de troca, determinado pelo seu poder de competição. No mercado da terra, aqueles com o maior rendimento possuem maior possibilidade de escolha para ocupar, enquanto os de baixo rendimento ficam com as possibilidades restantes, tornando a decisão de localização diretamente proporcional à quantidade de recursos financeiros disponíveis.
Devido ao mercado, a ocupação da cidade acontece de forma diferenciada, sendo a qualidade determinada pela capacidade financeira. Passam a existir locais da cidade tidos como bons e outros tidos como ruins.
É o processo de hierarquização dos espaços, que segue, novamente, a lógica capitalista: os melhores lugares são aqueles com o preço mais elevado. Simples assim: o capital e sua lógica de mercado também conseguem “coisificar” a cidade!
(*) LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. Centauro Editora, São Paulo, 2ª edição, 2001.
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