Oswaldo Negrão

Professor do Departamento de Saúde Coletiva da UFRN. Atualmente é presidente do ADURN-Sindicato, diretor do PROIFES-Federação e integrante do Grupo de Trabalho de especialistas em prevenção da violência nas escolas do Ministério da Educação (MEC).

03/09/2024 05h32

Título de cidadã para uma defensora do SUS?

 

Estreio neste espaço de reflexões em defesa da saúde como direito de todos e dever do Estado e, claro, enquanto uma política pública que se concretiza pelas ações do Sistema Único de Saúde (SUS). Logo, cuidar da saúde no sentido amplo dessa palavra é um dever dos gestores municipais, estaduais e do governo federal.

Então, sanitarista que sou e professor da UFRN nessa área de conhecimento, que é a Saúde Coletiva, a partir de hoje faço um convite para o diálogo, para debates e reflexões que considero necessários para jogar luz em temas polêmicos; questões que tratam das vidas, das mortes, dos nascimentos, das doenças, e dos sofrimentos das pessoas e das populações.

O SUS é a materialização de políticas e estratégias no campo da saúde, que contribuem ou prejudicam a qualidade do viver das pessoas, a perspectiva de adoecer e de morrer de forma mais precoce ou longeva, de forma digna ou não. Dessa forma, proponho um minuto de reflexão para trazer os seguintes questionamentos: na sua percepção de cidadã e cidadão, a quantas anda o SUS? A implementação das políticas públicas no campo da saúde no Brasil, no Rio Grande do Norte e no seu município? Pergunto, pois a forma como a saúde existe nos territórios e nos municípios varia muito.

Dito isso, me posiciono sobre o evento ocorrido ontem, dia 02 de setembro, quando a médica e sanitarista Nísia Trindade Lima recebeu o título de cidadã Norte-rio-grandense na nossa Assembleia Legislativa. Nísia é a primeira mulher a comandar o Ministério da Saúde. A ministra também foi, entre 2017 e 2022, a primeira mulher a presidir a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), instituição histórica de Ciência e Tecnologia e referência internacional. Essa questão por si só já deve ser celebrada, mas vai além.

O campo da saúde, do cuidado, é composto majoritariamente por um corpo de trabalhadoras, de pesquisadoras, de estudantes, portanto corpos femininos. Ainda assim, nos ressentimos de poucas mulheres em altos cargos de gestão. É necessário se valorizar as conquistas das mulheres nos campos do conhecimento, da Ciência, Tecnologia e da Inovação, da saúde, e também fortemente na produção das pesquisas e investigações. Hoje cerca de 75% dos artigos científicos brasileiros tem mulheres como autoras.

Em tempos de ataques ao SUS e às instituições, como foram os anos sombrios do governo Bolsonaro, os então ministros da saúde atuaram fortemente contra os protocolos sanitários. A Fiocruz, por sua vez, sob a presidência de Nísia Trindade, foi um bastião de resistência e de esforços concentrados para o desenvolvimento de uma vacina nacional. Um farol mesmo diante de tanto obscurantismo que se alastrou mundo afora com o negacionismo e uma onda de mentiras e de procedimentos inócuos para o enfrentamento da COVID-19, tais como: o caso do Kit-COVID, um protocolo sem qualquer embasamento científico; e os ataques fervorosos a princípios elementares para o enfrentamento de pandemias,  como é o caso do rastreio de pessoas infectadas chegando ao país, da vigilância de portos e aeroportos, do monitoramento dos casos, e, por fim, do ataque ao isolamento sanitário.

Na sequência também foram atacadas as instituições públicas e os indivíduos. As universidades, o Instituto Butantã, e a própria Fundação Oswaldo Cruz sofreram com recursos bloqueados para dificultar as pesquisas e ações de enfrentamento à pandemia.

O Ministério da Saúde foi subjugado por pessoas que não tinham qualquer formação ou preparo para assumir as responsabilidades que os cargos e as pasta exigem, e o que assistimos foi uma taxa de mortalidade dentre as maiores do mundo. Natal (RN), que tem um médico negacionista como prefeito, também entrou na onda do Kit-COVID, o que levou a capital a figurar entre os piores indicadores de mortalidade, dentre as capitais brasileiras.

Portanto, homenagear uma mulher, sanitarista, pesquisadora, à frente do SUS, é um ato político muito importante. A defesa da vida e da saúde das pessoas deve sim ser celebrada. Esta cerimônia é justa e deve ser motivo de orgulho para todos nós. A saúde precisa ser levada a sério e não é um assunto banal. Devemos ter conhecimentos científicos e responsabilidade individual e coletiva para o enfrentamento dos desafios que se apresentam nas nossas vidas.

 

Oswaldo Gomes Corrêa Negrão


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