Professor do Departamento de Saúde Coletiva da UFRN. Atualmente é presidente do ADURN-Sindicato, diretor do PROIFES-Federação e integrante do Grupo de Trabalho de especialistas em prevenção da violência nas escolas do Ministério da Educação (MEC).
Título de cidadã para uma defensora do SUS?
Estreio neste espaço de reflexões em defesa da saúde como direito de todos e dever do Estado e, claro, enquanto uma política pública que se concretiza pelas ações do Sistema Único de Saúde (SUS). Logo, cuidar da saúde no sentido amplo dessa palavra é um dever dos gestores municipais, estaduais e do governo federal.
Então, sanitarista que sou e professor da UFRN nessa área de conhecimento, que é a Saúde Coletiva, a partir de hoje faço um convite para o diálogo, para debates e reflexões que considero necessários para jogar luz em temas polêmicos; questões que tratam das vidas, das mortes, dos nascimentos, das doenças, e dos sofrimentos das pessoas e das populações.
O SUS é a materialização de políticas e estratégias no campo da saúde, que contribuem ou prejudicam a qualidade do viver das pessoas, a perspectiva de adoecer e de morrer de forma mais precoce ou longeva, de forma digna ou não. Dessa forma, proponho um minuto de reflexão para trazer os seguintes questionamentos: na sua percepção de cidadã e cidadão, a quantas anda o SUS? A implementação das políticas públicas no campo da saúde no Brasil, no Rio Grande do Norte e no seu município? Pergunto, pois a forma como a saúde existe nos territórios e nos municípios varia muito.
Dito isso, me posiciono sobre o evento ocorrido ontem, dia 02 de setembro, quando a médica e sanitarista Nísia Trindade Lima recebeu o título de cidadã Norte-rio-grandense na nossa Assembleia Legislativa. Nísia é a primeira mulher a comandar o Ministério da Saúde. A ministra também foi, entre 2017 e 2022, a primeira mulher a presidir a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), instituição histórica de Ciência e Tecnologia e referência internacional. Essa questão por si só já deve ser celebrada, mas vai além.
O campo da saúde, do cuidado, é composto majoritariamente por um corpo de trabalhadoras, de pesquisadoras, de estudantes, portanto corpos femininos. Ainda assim, nos ressentimos de poucas mulheres em altos cargos de gestão. É necessário se valorizar as conquistas das mulheres nos campos do conhecimento, da Ciência, Tecnologia e da Inovação, da saúde, e também fortemente na produção das pesquisas e investigações. Hoje cerca de 75% dos artigos científicos brasileiros tem mulheres como autoras.
Em tempos de ataques ao SUS e às instituições, como foram os anos sombrios do governo Bolsonaro, os então ministros da saúde atuaram fortemente contra os protocolos sanitários. A Fiocruz, por sua vez, sob a presidência de Nísia Trindade, foi um bastião de resistência e de esforços concentrados para o desenvolvimento de uma vacina nacional. Um farol mesmo diante de tanto obscurantismo que se alastrou mundo afora com o negacionismo e uma onda de mentiras e de procedimentos inócuos para o enfrentamento da COVID-19, tais como: o caso do Kit-COVID, um protocolo sem qualquer embasamento científico; e os ataques fervorosos a princípios elementares para o enfrentamento de pandemias, como é o caso do rastreio de pessoas infectadas chegando ao país, da vigilância de portos e aeroportos, do monitoramento dos casos, e, por fim, do ataque ao isolamento sanitário.
Na sequência também foram atacadas as instituições públicas e os indivíduos. As universidades, o Instituto Butantã, e a própria Fundação Oswaldo Cruz sofreram com recursos bloqueados para dificultar as pesquisas e ações de enfrentamento à pandemia.
O Ministério da Saúde foi subjugado por pessoas que não tinham qualquer formação ou preparo para assumir as responsabilidades que os cargos e as pasta exigem, e o que assistimos foi uma taxa de mortalidade dentre as maiores do mundo. Natal (RN), que tem um médico negacionista como prefeito, também entrou na onda do Kit-COVID, o que levou a capital a figurar entre os piores indicadores de mortalidade, dentre as capitais brasileiras.
Portanto, homenagear uma mulher, sanitarista, pesquisadora, à frente do SUS, é um ato político muito importante. A defesa da vida e da saúde das pessoas deve sim ser celebrada. Esta cerimônia é justa e deve ser motivo de orgulho para todos nós. A saúde precisa ser levada a sério e não é um assunto banal. Devemos ter conhecimentos científicos e responsabilidade individual e coletiva para o enfrentamento dos desafios que se apresentam nas nossas vidas.
Oswaldo Gomes Corrêa Negrão
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