Oswaldo Negrão

Professor do Departamento de Saúde Coletiva da UFRN. Atualmente é presidente do ADURN-Sindicato, diretor do PROIFES-Federação e integrante do Grupo de Trabalho de especialistas em prevenção da violência nas escolas do Ministério da Educação (MEC).

24/09/2024 11h50
Queimadas, agronegócios, meio ambiente e saúde pública
 
As queimadas ganharam destaque nas últimas semanas principalmente quando o cheiro insuportável da fumaça e a fuligem começaram a cair sobre casas, em especial quando chegaram até São Paulo e o sul do país. Mas o problema já vinha sendo sentido pelas populações ribeirinhas, aldeias indígenas, assentamentos, e comunidades quilombolas do norte e do centro-oeste do país. 
 
Apesar de institucionalmente o governo brasileiro ter conhecimento das emergências climáticas, como ondas de calor extremo, inundações, secas e tempestades, que assolaram a Bahia, Rio Grande do Sul, e Amazonas mais fortemente, é sabido que esse fenômeno tem impactos significativos na saúde humana e as ações ainda não correspondem às reais necessidades da população. Elas podem agravar doenças respiratórias e cardiovasculares, aumentar a incidência de doenças transmitidas por vetores (como dengue e malária) e comprometer a segurança alimentar e hídrica.
 
Em tempos de secas históricas e mudanças climáticas, acompanhamos a celebração do financiamento recorde no plano safra 2024/25, com R$ 400,59 bilhões. Parece que se criou um caldeirão perfeito para a situação atual, fogo em todos os estados e a destruição acelerada de todos os biomas brasileiros.
 
Falar sobre o plano safra recorde em 2024, ao mesmo tempo em que se apresentam cortes no campo da saúde, onde se ancoram as políticas de vigilâncias em saúde.  O próprio governo anunciou o “Orçamento de 2024” com R$ 4,4 bilhões suspensos da dotação total de R$ 47 bilhões”. Ou seja, para atender toda a população brasileira, com mais de 220 milhões de pessoas, destinamos perto de 10% do valor destinado ao “Agro” e ainda assim, sofremos cortes para cumprir as regras do arcabouço fiscal e preservar a meta de déficit zero. 
 
É no SUS que se materializam as vigilâncias que acompanham e avaliam a qualidade do ar e a qualidade das águas, o impacto dos agrotóxicos na saúde das populações. Precisamos então discutir de forma mais aprofundada o plano de desenvolvimento nacional que trata da destinação de recursos públicos, que garantem lucros para o agronegócio que desmata e mata, em nome do “progresso”. 
 
Nessa toada assistimos apenas como espectadores o desmatamento e as queimadas, com um número incalculável dessas ações criminosas a se espalhar por todos os biomas, provocando a poluição do ar, do solo e dos rios. Rios da região norte estão com cotas mínimas históricas, observamos o Rio Madeira e outros grandes afluentes do rio Amazonas se transformarem em dunas. 
 
Em regiões de garimpo ilegal assistimos o jogo do gato e rato para afundar e queimar balsas de garimpeiros que destroem os leitos dos rios e poluem com mercúrio os peixes e as águas dos rios. 
 
Os agrotóxicos utilizados na agricultura atravessam fronteiras e já poluem mananciais de reservatórios que abastecem a maior parte dos municípios brasileiros. A dicotomia entre a vida dita “saudável” no campo e a vida “adoecedora” nos grandes centros parece perder força neste momento. O país todo está adoecido. 
 
Cada região do país tem desafios enormes quanto à preservação dos biomas, enfrentamento da poluição ambiental e enfrentamento da pobreza e das altas taxas de analfabetismo e de abandono escolar. No campo da saúde, assistimos o desfinanciamento do SUS, o enfraquecimento da sua legislação e seu protagonismo nas políticas das vigilâncias. 
 
Para defender a saúde como direito, é necessário conhecer o sistema de saúde. Pensar em ações de preservação do meio ambiente, na garantia da qualidade do ar que respiramos, do acesso à agua potável e do acesso a alimentos para a população e a preservação da segurança alimentar para todos nós. Defender o SUS é também pensar nesse conceito de saúde ampliada que extrapola o atendimento clínico à demandas individuais, como acesso à consulta ou procedimentos clínicos.

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