Oswaldo Negrão

Professor do Departamento de Saúde Coletiva da UFRN. Atualmente é presidente do ADURN-Sindicato, diretor do PROIFES-Federação e integrante do Grupo de Trabalho de especialistas em prevenção da violência nas escolas do Ministério da Educação (MEC).

08/10/2024 10h25
Saúde, Iniquidades e cidadania
 
Durante o processo de formação dos novos profissionais de saúde, indago sempre aos estudantes que serão nossos futuros enfermeiros, médicos, dentistas, nutricionistas, fisioterapeutas, enfim, a todos os alunos: o que os levou a escolher essas profissões no campo da saúde?
 
As mulheres ainda representam, na grande maioria, a maior parcela da mão de obra que compõe as equipes de técnicas e auxiliares de enfermagem, e boa parte também das profissionais que estruturam as equipes de saúde da família (ESF), que é a forma de organização da saúde no SUS. Aqueles serviços de saúde conhecidos popularmente como postos de saúde. 
 
Pois bem, essas equipes vivenciam desafios enormes. São equipamentos sociais que estão nas periferias das nossas cidades, nos bairros mais populares na sua grande maioria, e a essas equipes cabe todas as demandas advindas dessas populações. São crianças, mulheres e idosos que mais utilizam esses serviços, enquanto que homens adultos buscam mais os serviços de urgência e emergência. 
 
Mas oferecer serviços de saúde é ainda mais desafiador quando observamos as enormes iniquidades identificadas nos territórios, nos bairros, na cidade de Natal. Em geral, bairros periféricos tem maiores populações com menos equipamentos sociais, como as creches, escolas e também equipamentos de saúde. Esse fato sobrecarrega as equipes e serviços existentes e reforça a principal queixa da população usuária do SUS: as filas e o tempo de espera, em especial quando se trata de exames, consultas com especialistas e procedimentos cirúrgicos e ou de maior complexidade. 
 
Outros elementos somam-se a essas demandas e nos convidam à uma análise ainda mais complexa. A escolaridade média da população, a renda, as condições de moradia, de transporte, de acesso ao lazer e às práticas de atividades físicas em espaços públicos adequados, o desemprego, subemprego, a fome a violência. 
 
Quando pensamos no acesso da população natalense, por exemplo, às salas de vacinas, precisamos compreender por um lado os desafios de garantir os insumos e de pessoal devidamente treinado para a aplicação das vacinas disponíveis à população. Por outro lado, precisamos garantir o acesso em horários em que as mães trabalhadoras possam levar suas crianças para a vacinação. Portanto, é necessário pensar em postos de saúde com horários ampliados, para além do horário comercial, inclusive, excepcionalmente nos sábados. 
 
Da mesma forma, quando pensamos no acompanhamento do pré-Natal para as gestantes das nossas cidades os desafios são muito grandes, desde a disponibilidade de testes rápidos para que a mulher grávida saiba o mais rapidamente possível da sua condição, até que todos os exames de pré-natal e toda a continuidade da atenção sejam garantidas, inclusive a garantia do acesso à maternidade e o nascimento seguro, quando for o caso, ou mesmo a interrupção da gravidez naqueles casos previstos em Lei. 
 
A dignidade e a atenção à saúde são pressupostos constitucionais que precisam ser sempre lembrados e a luta por recursos no campo da saúde são necessários para que esses direitos de fato se efetivem.
 
Pessoas negras tem maior dificuldade de acesso, bem como corpos trans, profissionais do sexo, pessoas com deficiência. São todos elementos que precisam ser abordados durante o processo de formação dos futuros profissionais no campo da saúde para que possamos ter profissionais sensíveis aos cuidados clínicos e ao mesmo tempo respeitando a individualidade e as demandas de todas as pessoas que acessam os serviços de saúde. 
 
É preciso que compreendam também a complexidade da nossa sociedade. A possibilidade de fortalecer estratégias de prevenção das doenças e a estratégias melhores consolidadas de promoção da saúde, do auto cuidado, do cuidado consigo e com a família e a comunidade que constituem nossos bairros e as cidades em que vivemos. 
 
Temos, portanto, o compromisso de formar esses novos profissionais no campo da saúde com um olhar técnico e clínico e ao mesmo tempo sensíveis às necessidades da nossa população e às mudanças que são reflexo da vida real.

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