George Câmara
Mestre em Estudos Urbanos e Regionais, ex-vereador de Natal/RN pelo PCdoB, é Diretor Autárquico da ARSEP e autor de livros sobre metrópoles e saneamento básico.
05/09/2024 11h11
NA CIDADE, APLICAR O DIREITO URBANÍSTICO
A cidade e o Direito são produtos da cultura humana, presentes na sociedade desde muito tempo, ainda que a intensa aproximação entre esses dois elementos, no contexto histórico, seja mais recente do que se imagina.
Conforme o Direito se estruturou na modernidade, a cidade lhe tem apresentado inúmeros desafios, trazendo-lhe as mais variadas questões. Por sua vez, o Direito também molda as cidades, na medida em que a legislação tem um papel na produção do espaço urbano e a distribuição espacial de atividades e populações – objeto de normas – gera impacto socioeconômico.
De forma indireta, a legislação urbanística gera espaços menos ou mais valorizados, em função do potencial construtivo, da acessibilidade, da proximidade de equipamentos públicos e oferta de serviços, podendo facilitar ou dificultar – e até mesmo inviabilizar – o acesso à terra urbanizada, à moradia digna, ao emprego decente, às condições de saúde e de segurança pública, entre outros direitos.
O fenômeno urbano, como também a abordagem jurídica a seu respeito, há muito já não comportam a visão da cidade como um objeto isolado, como nos tempos coloniais, em geral com um núcleo concentrador de atividades comerciais, religiosas e político-institucionais, cercado por áreas rurais e com estas se relacionando diretamente.
Atualmente, a cidade vem sofrendo alterações espaciais que extrapolam os limites geográficos do município, dando origem às regiões metropolitanas e às aglomerações urbanas pelo Brasil afora. Surgem aí novas demandas ao Direito, como a necessidade de atender às funções públicas de interesse comum, conforme prevê a Constituição Federal, em seu artigo 25, inciso III.
Mas também alterações decorrentes de processos econômicos, políticos e sociais que, por força de decisões tomadas em esferas diferentes das municipais, provocam a criação das “redes de cidades”. A construção de um porto, por exemplo, ou mesmo o surgimento de um sistema de trens de alta velocidade, ligando grandes cidades, rebatem fortemente no uso e ocupação do solo urbano.
Daí, a elevação do preço de terrenos e casas para fins residenciais ou comerciais, decorrente dessas novas instalações e de sua dinâmica, terá impacto para as pessoas nesses locais. Por outro lado, as intervenções no sistema viário e a necessidade de obras para as adequações no território, trarão novos dilemas para a gestão pública municipal, diante de suas limitações financeiras e orçamentárias.
Dessa forma, todo tipo de vetor, especialmente o demográfico, opera no território municipal, sem que o poder público e a sociedade local tenham a capacidade de intervenção, ficando a depender, conforme a origem da iniciativa, de decisões na esfera estadual ou federal, à mercê das estratégias estaduais ou nacionais de desenvolvimento territorial.
Esses breves exemplos nos mostram como, no espaço urbano, vão se tornando mais complexas as relações das pessoas, entre si e frente ao poder público. Mostram também como o Direito precisa dar conta das novas relações e dos novos conflitos daí decorrentes, nesse território.
O princípio da função social da cidade, consagrado em nosso país nos artigos 182 e 183 da Constituição Federal, traz, para as pessoas, direitos que precisam ser efetivados no próprio ordenamento jurídico brasileiro. A começar pelo reconhecimento da primazia dos direitos coletivos sobre os individuais.
O Direito Civil trata a moradia como um bem, regida pelo “Direito das Coisas”: uma mercadoria. A sua obtenção se dá pela via da compra ou herança. É a supremacia da propriedade, do direito individual pleno. A casa do rico, nesse caso, para o Direito, é um bem protegido muito mais do que mil casas em uma comunidade pobre, cujo vínculo se dá pela posse do imóvel.
Estabelecer o papel do Direito Urbanístico como orientador das relações sociais na cidade se torna um passo importante para romper com muitas injustiças e, ao mesmo tempo, um caminho para a efetivação do DIREITO À CIDADE!
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