Cantor, compositor, escritor e produtor cultural. Formado em Gestão Pública, apresenta programa Talento Potiguar, aos sábados, às 8:30 na TV Ponta Negra, afiliada do SBT no RN.
O BOB DYLAN BRASILEIRO
O livro Noites Tropicais de Nelson Mota é considerado um clássico do jornalismo cultural. É uma viagem pelo mundo da Bossa Nova, da Jovem Guarda e sobretudo do Tropicalismo. O jornalista, que conheceu de perto os grandes momentos da música brasileira, até certo ponto também foi um protagonista da cena musical do Brasil, ao conviver com grandes nomes da nossa música. Além de jornalista, Nelson Mota é compositor, produtor musical, diretor de shows e crítico musical.
Em meados dos anos setenta, Nelson Mota conheceu Odair José, que havia alcançado o sucesso com a música Pare de Tomar a Pílula. A canção, um retumbante sucesso de execução e vendagem, incomodava – e muito – o regime militar e teve sua execução pública proibida, fazendo com que o cantor goiano, a partir dali, passasse a ter problemas com a Censura e com a Polícia Federal. Aos ouvidos do público da MPB sua música era algo abominável e o crítico musical e jurado de TV José Fernandes chegou a afirmar que Pare de Tomar a Pílula era “a pior coisa do mundo”.
O escritor e jornalista baiano Paulo Cézar Araújo, no seu livro Eu Não Sou Cachorro Não, conta que Nelson Mota um dia foi visitar Odair José e disse que ele cantava mal, era péssimo na divisão dos compassos, era desafinado e pronunciava mal as palavras. Então levou o cantor para ter aulas de canto, o que, segundo o próprio Odair, foi muito bom pra ele.
Um dos grandes méritos de Odair Jose foi trazer para a música brasileira canções que falavam sobre temas que o público queria ouvir e que a mídia, antes dele, não queria – ou não podia - divulgar. As músicas de Odair abordavam temas que provocavam debates como a história de alguém que tira uma mulher de um cabaré para ser sua esposa (Eu Vou Tirar Você Desse Lugar), que defendiam as empregadas domésticas (Deixe Essa Vergonha de Lado), que também defendiam a união entre duas pessoas sem a necessidade de se casarem (Na Minha Opinião), que exploravam a intensidade de um encontro casual (Eu, Você e a Praça, uma balada romântica que explora a profundidade de um encontro inesperado que se transforma em um momento de paixão intensa e silenciosa).
No início dos anos setenta, os meios de comunicação – principalmente as rádios - precisavam de algo que mexesse com temas complexos; existia no ar a necessidade de abordar assuntos que provocassem debates e controvérsias. Ao abordar nas suas músicas os conflitos existentes entre a paixão e o amor, numa linguagem ousada para os costumes da época (Esta noite Você Vai Que Ser Minha) ou até mesmo o sexo (As Noites Que Você Passou Comigo), que ainda era considerado tabu no Brasil no final dos anos 60 e começo dos anos 70, Odair José introduziu na música brasileira temas polêmicos.
Depois de ser excomungado pela Igreja Católica por se pronunciar a favor do sexo fora do casamento, Odair se manteve recluso por algum tempo, lendo e ouvindo música.
Ao ler O Profeta, do escritor libanês Khalil Gibran, teve a ideia de gravar um disco inteiro sobre a história de um profeta contemporâneo, contando como teria sido a vida de Jesus se ele tivesse nascido em tempos modernos. Foi aí que nasceu a primeira Ópera-Rock brasileira: O Filho de José e Maria, com músicas compostas por Odair, que retratam a vida do homem comum, que carrega consigo perguntas sem respostas: "qual o sentido da vida?” "de onde venho?", "pra onde vou?".
Apesar da divulgação maciça da imprensa (inclusive da coluna de Sérgio Mota) o projeto foi um fiasco. E o pior: foi o primeiro passo numa nova busca musical por parte de Odair José, o que não foi bom pra ele.
Quando gravei meu primeiro LP na Gravason de Belém do Pará, o divulgador da gravadora no Rio de Janeiro era Davi Lima, que durante anos havia sido secretário e assistente de Odair José. Ao viajar para divulgar meu disco no Rio, Davi Lima me contou uma história que poucas pessoas conhecem: a Opera-Rock chegou a ser apresentada em alguns teatros brasileiro, mas a temporada foi interrompida por falta de público. Odair passou um período esquecido pelo grande público e outro cantor de Goiás que o imitava ocupou o seu espaço: Amado Batista.
Com o passar dos anos, a obra de Odair José, por sua criatividade e a coragem de quebrar tabus, se tornou imortal. Os temas abordados por suas músicas continuam atualíssimos e, quer os preconceituosos aceitem ou não, ele é, ao lado de Belchior, considerado uma espécie de Bob Dylan brasileiro.
Fernando Luiz é cantor, compositor, escritor e produtor cultural. Formado em Gestão Pública, é idealizador e apresentador do programa Talento Potiguar, que vai ao ar aos sábados, às 8:30 pela TV Ponta Negra, afiliada do SBT no RN.
Instagram: @fernandoluizcantor
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