Eva Potiguara

Eva Potiguara pertence ao Povo Potiguara Sagi Jacu, em Baía Formosa/RN. Graduada em Artes visuais, Mestrado e Doutorado em Educação pela UFRN, é Professora e pesquisadora do IFESP-SEEC, atuando nos cursos de Pedagogia e Letras. É produtora cultural da EP Produções, escritora, ilustradora, contadora de histórias, articuladora nacional do Mulherio das Letras Indígenas, membro da UBE/RN, da SPVA e de várias academias de Letras no Brasil e em Portugal. Tem livros solos infantis e de poesia, publicados no Brasil

O Silêncio da Sociedade sobre os Povos Indígenas

10/04/2025 08h49

 

A cidade é barulhenta, com seus carros, buzinas, notificações incessantes no celular. Mas, se pararmos para ouvir, perceberemos que há um silêncio que pesa mais do que qualquer ruído: o silêncio sobre os povos indígenas.  

 

Tudo isso demonstra a indiferença, a negação e a falta de respeito aos direitos humanos dos povos originários. São atitudes comuns, naturalizadas nesta sociedade de raiz colonial e escravagista.  

 

Nesse sentido, ainda encontramos distorções na maioria dos artigos científicos e livros escolares, que classificam as cosmovisões indígenas como lendas ou mitos folclóricos. E perguntamos: -Quem se manifesta diante desses atos que tentam invalidar as vozes contracoloniais de escritores e cientistas de diversas etnias?  

 

Além disso, os povos indígenas enfrentam a omissão dos discursos políticos da extrema direita, especialmente da bancada ruralista no Senado e na Câmara Federal, que fazem vista grossa diante da violência constante que tenta arrancá-los de suas terras.  

 

Enquanto isso, todo indígena apenas espera poder viver sem ter seu território invadido; que seus filhos e netos possam estudar sem perder a identidade de seu povo; e que sejam consultados previamente sobre decisões legais que afetam diretamente sua vida — como as que envolvem saúde e demarcação de terras. Direitos que, na teoria, estão escritos na Constituição, mas que, na prática, são tratados como concessões, favores que podem ser revogados a qualquer momento.  

 

Um exemplo claro é a tese do “marco temporal”, forjada para justificar a negação da demarcação dos territórios tradicionais dos povos que não estavam fisicamente presentes neles antes de 1988.  

 

Em resposta ao genocídio dos corpos e das florestas, homens e mulheres das 305 nações indígenas do Brasil continuam resistindo — manifestando-se nas ruas e nas redes sociais em repúdio ao descaso com seus direitos à demarcação, à saúde e à educação diferenciada, todos previstos na Constituição de 1988.  

 

Exemplo disso foi o Acampamento Terra Livre (ATL) de 2025, que reuniu, nesta terça-feira, 8 de abril, mais de sete mil indígenas em marcha pela Constituição, em Brasília. A maior manifestação dos povos originários no país compara-se a um formigueiro enfrentando seus predadores invasores e genocidas. São centenas de pessoas, pertencentes a diversas etnias, falando línguas que carregam séculos de sabedoria. Povos que conhecem a flora e a fauna como filhos e guardiões da Terra, que protegem as águas e toda a biodiversidade como herança ancestral e parte de si mesmos.  

 

Mas a sociedade parece não ouvir — não levar a sério as vozes nativas desta terra chamada Pindorama. Prefere acreditar que a modernidade é incompatível com os saberes tradicionais, e ignora que a esperança do planeta está justamente naqueles que há milênios sabem preservá-lo.  

 

A população segue suas rotinas, sem tempo para escutar, aprender ou reconhecer os territórios e conhecimentos desses povos.  

 

Já passou da hora de a sociedade brasileira romper esse silêncio e compreender que modernidade pode caminhar ao lado da ancestralidade. Basta de reduzir a sabedoria indígena a “mito”; basta de ignorar seus conhecimentos em medicina natural; basta de desprezar sua forma de ver o mundo. Ainda há quem considere suas crenças “atrasadas” ou até “malignas”, ao mesmo tempo em que exalta um progresso que destrói tudo ao redor.  

 

Neste Abril Indígena, apesar dos povos originários ainda serem vistos como figuras do passado ou reduzidos a personagens exóticos em festivais culturais, eles, guerreiros e guerreiras da ancestralidade, seguem em marcha, exigindo o cumprimento de seus direitos.  

 

O Brasil precisa reconhecer esses direitos legítimos, partindo da escuta dos saberes ancestrais dos seus povos originários. Em vez de continuar ignorando as vozes que a Terra de Pindorama jamais silenciou, é preciso respeitar suas ciências milenares de cura e assim aprender a primeira lição da ancestralidade: a Terra não nos pertence, nós é que pertencemos a ela.

 

Aûîébeté 

Muito obrigada!

 

#leiamulheresibdigenas 

#obrasiléterraindigena

 


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