Economia

Natal tem terceira pior desigualdade de renda no país; herança da base escravocrata, diz economista

19/08/2022 12h10

Por: Layssa Beatriz e Renato Moraes

Natal tem terceira pior desigualdade de renda no país; herança da base escravocrata, diz economista

Foto: Canindé Soares

 

A Região Metropolitana de Natal registrou aumento de renda per capita nos últimos 7 anos, saindo de R$ 1.335 em 2014 para R$ 1.609 em 2021. No entanto, é a RM que registra a terceira maior desigualdade de renda entre 22 regiões pesquisadas, o que significa uma distância cada vez maior entre ricos e pobres.

Os dados fazem parte da 9a edição do Boletim Desigualdades nas Metrópoles (2012-2021).  O estudo foi produzido pelo Observatório das Metrópoles, da PUC-RS, em parceria com a Rede de Observatórios da Dívida Social na América Latina (RedODSAL).

Cassiano Trovão, doutor e mestre em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp na área de Economia Social e do Trabalho, professor do Departamento de Economia e do Programa de Pós-graduação em Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), diz que o problema é estrutural. “O mercado de trabalho no Rio Grande do Norte é bastante heterogêneo e isso em parte é reflexo de uma estrutura produtiva muito concentrada”, explica. 

“Então você tem, por exemplo, a administração pública muito forte e isso ajuda a elevar a média”, diz Cassiano e acrescenta: “Como isso está concentrado em poucas pessoas, acaba refletindo numa maior desigualdade”.

Para ele, as causas estão associadas à desestruturação do emprego e das raízes históricas da sociedade. “Nosso mercado de trabalho, que é um mercado de trabalho altamente heterogêneo, de baixa remuneração, com elevado nível de informalidade e com elevado nível de desigualdade entre, por exemplo, mulheres e homens, negros e brancos”, explica.

Trata-se de um problema que vem da constituição do Brasil como nação. “A gente é um país que foi fundado sobre a base escravocrata. Então a gente tem algumas heranças que perpetuam e que corroboram essa estrutura desigual do ponto de vista dos rendimentos de trabalho”, diz.

Método de coleta tem base na PNAD

Sobre a distribuição de renda, o estudo toma como método o Coeficiente de Gini, que mede o grau de distribuição de rendimentos entre os indivíduos de uma população, que varia entre zero e um. O valor zero representa a situação de completa igualdade, em que todos teriam a mesma renda, e o valor um representa uma situação de completa desigualdade, em que uma só pessoa deteria toda a renda.

Com base nesse coeficiente, Natal, com índice 0,588, tem a terceira pior distribuição de renda entre regiões metropolitanas, perdendo apenas para Aracaju (0,605) e João Pessoa (0,589). No outro extremo, as metrópoles com menores coeficientes de Gini (menos desigualdade), em ordem decrescente, foram Porto Alegre (0,491), Curitiba (0,488), Vale do Rio Cuiabá (0,485), Florianópolis (0,484) e Teresina (0,479).

Cassiano Trovão faz uma observação sobre os indicadores registrados pelo Boletim Desigualdades nas Metrópoles. “Quando a gente olha para esses indicadores de Gini, principalmente aqueles captados pela PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), estamos falando de uma renda que é, basicamente, a renda do trabalho e a renda da Seguridade Social, que inclui previdência e programas de transferência de renda, como BPC (Benefício de Previdência Continuada do INSS), Bolsa Família, etc”.

No entanto, adverte o economista, a PNAD não capta, por exemplo, a renda do capital de juros, o rendimento de dividendos de lucros. Ou seja, trata-se de um estudo que não é voltado para essa parcela (dos mais ricos) onde a renda é concentrada. Tampouco, consegue abranger o outro extremo, onde estão incluídos os mais pobres e quem está fora do mercado de trabalho.

Além disso, observa Cassiano, “num cenário de desemprego elevado, isso traz uma questão relevante do ponto de vista da desigualdade, porque essas pessoas nem renda têm para ser calculada no índice de Gini. Elas nem fazem parte da estatística de rendimento”.  Ele ressalva outro tipo de desigualdade. “Tem uma desigualdade que é explicada pela renda do trabalho, por exemplo, de aposentadorias de valor muito elevado”, complementa.

Nesse cenário, há mais dados em jogo, avalia. “Se a gente for expandir a ideia de desigualdade de renda, a gente teria que olhar, por exemplo, para dados como a tributação, que no Brasil é altamente regressiva, porque penaliza os mais pobres, uma vez que incidem de forma indireta. Então quem come arroz, seja rico ou pobre, paga a mesma quantidade de imposto e isso traz prejuízos, especialmente, para os mais pobres”.

Segundo Trovão, é preciso citar, ainda, a tributação sobre algumas formas de rendimento, como por exemplo, lucros e dividendos, que é praticamente inexistente no país. “Você tem que falar sobre desigualdade associada à riqueza. Então, a tributação sobre propriedade, ela também é desigual no país. Os ricos conseguem manter seu patrimônio sob formas que pagam muito menos impostos do que os mais pobres, que às vezes nem têm propriedade. Então, esse tipo de desigualdade também é relevante para escapar um pouquinho dessa história só da renda”, critica.

Pandemia e pobreza

Os dois últimos anos da pandemia podem ter contribuído para esse cenário, o que foi observado em nível mundial. Os 10 homens mais ricos do mundo mais que dobraram suas fortunas, de US$ 700 bilhões para US$ 1,5 trilhão – a uma taxa de US$ 15 mil por segundo, ou US$ 1,3 bilhão por dia – durante os dois primeiros anos da pandemia de Covid-19. Por outro lado, a renda de 99% da humanidade caiu e mais de 160 milhões de pessoas foram empurradas para a pobreza, apontou relatório da Oxfam, A Desigualdade Mata, lançado em janeiro de 2022.

Não fosse a intervenção do Estado, a situação seria ainda pior, avalia Cassiano. “O auxílio emergencial, ele contribuiu para reduzir a desigualdade, tem vários estudos mostrando isso, mas você imagina se não tivesse aquele programa emergencial, o que teria acontecido sob o ponto de vista da pobreza e da desigualdade? A gente teria um cenário catastrófico”, diz o economista.

Para efeitos da pesquisa, é considerado pobre aquele que não possui o mínimo necessário para participar adequadamente da vida em sociedade.  Em valores de 2021, conforme o estudo, a linha de pobreza é de aproximadamente R$ 465 e a linha de extrema pobreza é de aproximadamente R$ 160. Ou seja, moradores de domicílios cuja renda per capita se encontra abaixo de tais valores serão classificados como pobres e/ou extremamente pobres.

Ao longo do período de 7 anos, o percentual da população em situação de pobreza aumentou em todas as Regiões Metropolitanas, ultrapassando um terço da população em 2021. No Nordeste, a exceção foram as RM’s de Natal e Fortaleza.  Natal saiu de 1.335 reais em 2014, para 1.609 em 2021.

As Regiões Metropolitanas em que a taxa de pessoas em situação de pobreza foi mais alta, em ordem crescente, nas regiões de Macapá (38,3%), João Pessoa (39,2%), Recife (39,7%), Grande São Luís (40,1%) e Manaus (41,8%). Já as Regiões Metropolitanas em que se registraram as menores taxas de pobreza foram São Paulo (17,8%), Distrito Federal (15,1%), Curitiba (13,1%), Porto Alegre (11,4%) e Florianópolis (9,9%).

Em 2021, as Regiões Metropolitanas com menor rendimento, em ordem crescente, foram Grande São Luís (R$ 938), Manaus (R$ 967), Macapá (R$974), Teresina (R$1.001) e Maceió (R$ 1.042). Já as Regiões Metropolitanas com maiores rendimentos, em ordem crescente, foram Rio de Janeiro (R$1.863), Porto Alegre (R$1.947), São Paulo (R$2.053), Florianópolis (R$2.282) e o Distrito Federal (R$ 2.476).

O estudo abrangeu 22 regiões metropolitanas: Manaus, Belém, Macapá, Grande São Luís, Fortaleza, Natal, João Pessoa, Recife, Maceió, Aracaju, Salvador, Belo Horizonte, Grande Vitória, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Vale do Rio Cuiabá e Goiânia, além do Distrito Federal e da Região Administrativa Integrada de Desenvolvimento da Grande Teresina.

Segundo Trovão, esse cenário reflete características estruturais de distribuição de renda de países que estão em situação de subdesenvolvimento, os chamados países periféricos.

Ele não vê perspectiva de mudança nesse quadro. “Eu não vejo uma diretriz nacional preocupada em melhorar as condições do mercado de trabalho, em retomar políticas de valorização do rendimento da base do mercado de trabalho em âmbito nacional, eu não vejo nenhuma perspectiva de alteração desse cenário”, reforça.


Autor: Layssa Beatriz e Renato Moraes