Cefas Carvalho

Jornalista, escritor. Editor do Potiguar Notícias

23/06/2022 09h09

“Tangerina”: Filme independente que debate gênero e preconceitos


Um dos filmes independentes mais premiados e elogiados dos EUA nos últimos anos, este longa comprovou o talento do jovem Sean Baker, que havia feito antes o ótimo "Starlet" (também assistido e que vou resenhar por aqui) e depois "Projeto Florida". "Tangerina" ganhou fama também por ter sido filmado com um celular IPhone 5 e inteiramente em locações, numa Los Angeles ensolarada e sufocante. Ousado e moderno na forma, portanto, e ainda mais na temática. Inclusive quis o destino e o acaso que eu o assistisse no dia em que a Parada LGBTQIA+ de São Paulo, que, após os duros anos de confinamento e pandemia, voltou a ser realizada nas ruas paulistanas.

 

Mas, vamos à trama: Na véspera de Natal, Sin-Dee, uma travesti negra que faz programas nas ruas de L.A, sai da cadeia e pela sua grande amiga Alexandra (também travesti) descobre que o seu namorado e cafetão Chester ficou com uma mulher branca. De maneira agressiva e insana sai pelas ruas da cidade a procura dos dois. Paralelamente acompanhamos Ramzik, um imigrante armênio que trabalha como motorista de táxi e que conhece Alexandra. As histórias de todos vão se encontrar em meio a reviravoltas e momentos inusitados.

 

Se a história e o roteiro são muito bons, a forma narrativa e a direção são excelentes. Baker transforma algo banal, como Sin-Dee à procura da "rival" e do amado para uma "acareação" em uma odisseia épica, calcado na trilha sonora (que vai de música erudita a rap e tecno) e na montagem esperta (sim, gravado em Iphone, mas editado posteriormente de forma bem profissional).

 

O filme remete ao clássico "Faça a coisa certa", de Spike Lee (1990), na construção na tensão e no caldeirão cultural/social, mas na reta final, lembra mais a melancolia de "Magnolia", um dos meus filmes preferidos (Paul Thomas Anderson, 2002). Um trunfo de "Tangerina" é não cair na militância panfletária, apesar da temática e das protagonistas LGBTQIA+. O filme passeia pelas situações envolvendo as duas com naturalidade, de maneira que o que ele se propõe a investigar e criticar é absorvido sutilmente. Idem em relação à hipocrisia do homem hétero-cis "cidadão de bem", no complexo personagem de Ramzik (o macho alfa conservador pai-de-família que curte travestis, já cheguei a fazer reportagem sobre esse tema no Jornal de Natal nos anos 2000).

 

Concorreu como melhor filme e diretor no Independent Spirit Award e quebrou um paradigma com a indicação de Kitana Kiki Rodriguez (a Sin-Dee) como melhor atriz e a vitória da ótima e magnética Mya Taylor (Alexandra) como melhor atriz coadjuvante, sendo ambas travestis na vida real. Um filme que merece ser visto, registrando que para gente puritana e com resquícios de homofobia, algumas cenas (até discretas para quem é acostumado a filmes do gênero) podem chocar. Mas, afinal, é para isso que o filme também foi feito. Assista para ver cinema de qualidade e abrir a cabeça.


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