Evandro Borges

16/09/2022 09h19

Gentil, um belo livro de Teresa

 

Conheci no Largo Ruy Pereira, Teresa Raquel Paiva de Oliveira, nascida em Alexandria/RN na companhia da minha irmã Liliana, também subscreve uma coluna no Potiguar Notícias  retratando semanalmente Portugal, país onde reside na atualidade, em Montijo com sua filha que é minha sobrinha Lorena. Um sábado ensolarado tomando uma saborosa cerveja gelada e apreciando uma carne de sol com macaxeira preparada pelas mãos de Zé Reeira, ícone da culinária potiguar, na Cidade Alta, coração de Natal/RN, local que acolhe intelectuais e boêmios.

Apresentado a Teresa disse que escutei a entrevista que ela concedeu a jornalista Anna Ruth Dantas, durante as minhas viagens para o interior do Estado, com fins do desiderato profissional na condição de advogado, e estava interessado em conhecer o teor do livro que dedicou ao seu pai, médico e líder político de Alexandria/RN, no Alto Oeste do Estado, Município que fica distante 408 km de Natal/RN.

Teresa se define como advogada de formação, mestre em linguística pela UFRN, servidora de carreira do Judiciário Paraibano, cronista, contista, poetisa, e militante da causa autista, de uma voz suave e verbaliza o português na maior correção, de olhos vivos e expressivos, que lhe prende atenção, expressando com muita força o que fala, e principalmente sobre o seu pai, assassinado a tiros em maio de 1989, quando ainda estava em plena carreira de médico e político, me concedeu uma entrevista/conversa no “potycast” do Portal do Potiguar Notícias e para toda rede de emissoras parceiras, oportunidade que também, conversamos prazerosamente com Irandir Pinto, viúva do saudoso Pinto Jr.

O livro que recebi de presente é uma publicação da editora Sebo Vermelho, 2022, com o título Gentil, verás que um filho teu não foge à luta, constando a ficha catalográfica, projeto gráfico e capa de Heverton R. de bela apresentação, com a foto de Gentil tomando e valorizando a capa, sobressaindo a tonalidade verde em alusão ao aluizismo,  emoldurado com um lenço verde que era distribuído massivamente nas campanhas eleitorais, marca temática da obra, de muito bom gosto, uma publicação que não teve economia e espetacular em toda a sua simbologia.

A orelha é uma apresentação de Manoel Dantas Vilar – Dantinhas de Taperoá (PB), e contém três apresentações, uma de Henrique Alves, carregando bem na tinta expressando a sua linguagem, principalmente, para quem muito ouviu sua oratória nas campanhas eleitorais. A segunda apresentação é uma prosa poética de Constância Uchôa de uma arrojo espetacular ao texto e a verve de Teresa, valendo ressaltar este trecho: ‘A nossa bordadeira de frases e tecelã de sentimentos faz uso da metalinguagem e da digressão como subterfúgios literários da dor’. A terceira é de Jesus de Ritinha de Miúdo que instiga a leitura poética de Teresa.  E ainda o editor e sebista Abimael Silva diz que Tereza é uma jovem escritora e revelação norte-rio-grandense.

O livro é dedicado aos Chicos, Paiva, Emídio e Paz. Na obra há praticamente três capítulos sobre um dos Chicos. Francisco seu filho, autista, disserta sobre as vitórias que obteve, os caminhos e dedicação que teve de enfrentar, os estudos que precisou realizar para compreender o autismo. Os preconceitos praticados, inclusive por profissionais. Considerou uma das maiores vitórias, quando aos quatro anos de idade lhe chamou de mãe pela primeira vez, de uma emoção muito forte.

A introdução é da própria autora, Teresa, que deixa claro o rasgo de saudade que vai conduzir toda obra dedicada ao seu pai, Gentil Paiva de Oliveira de fato de quem foi tirado uma vida, sem avisar e preparar a família, de forma estúpida e violenta, e todo o carinho e amor fraternal que nutria pelo pai, e explanando as dificuldades encontradas, valorizando os membros da família, os amigos, a solidariedade de muitos, realizou inclusive agradecimentos, como um sentimento de gratidão.

O livro há a cada capítulo uma ementa arrancada do texto, iniciando o leitor no que vai encontrar. Fala da família situando o leitor na família de Dr. Gentil    muita bem disposta, os pais de Dr. Gentil, seus irmãos, dentre eles Chico Paiva que levou o irmão caçula para estudar medicina em Recife, do que passou no primeiro vestibular, tinha como um filho, mas a autora está sempre no centro das ações. Escreve com leveza, momentos com ricos detalhes, sem deixar de manifestar a dor e a saudade permanente.

Pediu licença ao pai, para falar, também, da dor da partida da mãe, que ficou viúva na casa dos trinta anos, Maria Teresa Fernandes de Souza Paiva, falecida no dia 11 de abril de 2019, uma vez que “ocupou o duplo papel de pai e mãe”, mulher de uma fortaleza inigualável, discorrendo sobre os últimos momentos nos corredores do Hospital Esperança, em Recife. Uma mulher por mais de três décadas viveu a viuvez e criou e educou os três filhos.

Teresa falou da escolha pela Paraíba, desde a viagem da partida de Alexandria, adolescência em João Pessoa, os estudos, ajuda dos membros da família, os livros que leu, o aprendizado da leitura, as coleções de gibi que recebia da prima, uma vida desafiadora. Ela e os irmãos conseguiram uma definição profissional, um verdadeiro desafio vitorioso.

Alexandria é um marco querido, o sítio carnaubal, a Serra da Barriguda, as ruas, as calçadas, os amigos, as ligações familiares, os sábados de Aleluia, a Matriz, a padroeira Nossa Senhora da Conceição, as eleições, passeatas, os galhos verdes, os comícios, a padaria, a oficina, toda a sua ligação com o torrão que lhe deu vida e luz, e a identidade a terra Natal.

O seu pai está no centro da obra, a sua condição de médico, o atendimento que realizava, que não tinha horário, as cirurgias, a simplicidade, a ligação com o Sítio Carnaubal, os amigos, a derrota das eleições fraudadas, os correligionários, os discursos de Aluízio Alves que escutava ao rádio e os discursos que proferia, o amor dedicado a Alexandria, o carinho e afeição com os irmãos, e com ela Teresa.

O ponto alto da obra, quando retrata o local do crime, na oficina, no último jogo do baralho. Os disparos que sofreu e que foi alvejado. A tentativa dos amigos para salvar Gentil. A viagem realizada para Pau dos Ferros e até Natal. As providências adotadas pelo governo do Estado. A Chegada do corpo em Alexandria, a mobilização e solidariedade popular com o impacto sofrido pela população que contou com mais de dez mil pessoas no féretro. As fotografias da Tribuna do Norte com ênfase no Governador Geraldo Melo e na manifestação de Henrique Alves. 

Outro aspecto que deve ser ressaltado, foi a busca pela Justiça da família, que não encontrou o caminho comum da vingança tão em voga nos sertões, que exterminavam famílias inteiras, de um lado a outro. O processo foi ao Tribunal do Júri no dia 13 de setembro de 2016, para um crime cometido no dia 29 de maio de 1989, pois o Ministério Público assistido com advogado designado pela família o Dr. Felix Araújo Filho, não recusou, sequer um jurado, todos filhos de Alexandria. 

Os dois últimos capítulos, considero um posfácio, pelos dois irmãos, Gentil Paiva de Oliveira Júnior e por Leonardo Sousa de Paiva Oliveira. O livro é de muito folego, dor, saudades, solidariedade, de testemunho da importância familiar, de se fazer o bem, de muita esperança e de exemplos de lutas. A autora de fato é uma revelação da literatura potiguar. De vasta cultura, sempre efetuando citações associando as letras musicais da música popular brasileira realçando o texto.

Um livro que se ler de forma voraz e de muito aprendizado, para as poucas linhas que o Portal exige aqui expressadas, em uma pequena resenha, não é nenhuma ficção, mais vida vivida, cheia de emoções reais, trago este forte fragmento, como uma lição atual para o momento da verve de Teresa:

Particularmente, como filha de vítima de arma de fogo, não consigo conviver com a possibilidade de psicopatas “legalmente” armados, cidadãos calados e barulho de bala disparada.

Viver não é fácil, todos sabem, sobreviver à violência é mais difícil ainda”.                                                                                           


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