Advogado. Assessor no Tribunal de Contas. Doutor e mestre em ciências sociais pela UFRN.
Amigos de Infância
Mensagens através do faceebok. Número de telefones resgatados. Tudo certo. Reunião dos amigos de infância combinada. Horário: domingo, oito da matina. Putz. Terrificante. Será que alguém vai? Será que eu vou? Sabe como é, as crianças de outrora são hoje adultos barbados, trabalhadores, seres notívagos que aproveitam o final de semana para entornar litros e litros do mais vagabundo malte escocês.
Mas é aquela coisa: fosse pra encontrar qualquer outro amigo aí provavelmente escolheria alguma boa desculpa e curtiria em sono profundo a inadiável e desacolhedora ressaca. Porém, os amigos de infância são sabidamente diferentes de todos os outros amigos.
Esses indivíduos são como aqueles programas de computador que recuperam dados perdidos. Eles fazem você recordar acontecimentos esquecidos com renovado prazer infantil.
Aliás, como renegar os caras que curtiram, ao seu lado, pela primeira vez, o sabor de uma Copa do Mundo? Que tentaram impedir, em vão, o seu eterno sofrimento de torcer pelo botafogo, ainda que naquele dia Mauricio tenha feito o gol espírita que levou o bota a ganhar o caneco de 89. Como não ir encontrar um dos sujeitos que lhe apresentou o Guns N' Roses quando Axl Rose comandava uma puta banda de rock? Ou que gargalharam durante meses relembrando da ficante que usava um tênis conga?
Os amigos de infância, acreditem, são sempre todos muito legais. Não que eles tenham um caráter irretocável ou coisa do tipo, mas é que os seus defeitos e idiossincrasias são relativizados por uma amizade iniciada num período de ingenuidade, em que o máximo de vilania possível era esconder debaixo da perna algumas cartas do baralho de oito malucos. Na verdade, o que os outros veem como defeitos os amigos de infância levam na gozação.
É bacana também não sentir um certo estranhamento ao revê-los. Não perceber aquele olhar enviesado do tipo “é você mesmo?”, tão normal quando se reencontram amizades feitas em outras fases da vida. Não sei por que, mas sempre parece que o último jogo de bola e o papo na calçada foram anteontem. E só mesmo esse standby da memória é capaz de justificar o fato de profissionais ortodoxos e pais de família se permitirem chamar, ainda hoje, por apelidos maquiavélicos cunhados numa época em que bullying era uma palavra fora de moda.
É por isso que falo muito sério quando digo que coisa pior do que não ter amigos de infância é só mesmo não poder reencontrá-los e reviver por algumas horas aqueles velhos tempos. Horas suficientes, inclusive, pra perceber que o disco rígido de cada um continua idêntico, ainda que os cabelos e a resistência diante de um porre tenham diminuído bastante.
Enfim, pra conversa não ficar pela metade, digo que já eram nove horas quando a turma estava reunida para um bate-bola. Quase todos lá. Um único faltante. Esperado faltante. É que o tal renegado até hoje não foi capaz de resolver um trauma dos tempos de criança: ser o último dos escolhidos no jogo de futebol!
*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).