Daniel Costa
Advogado. Assessor no Tribunal de Contas. Doutor e mestre em ciências sociais pela UFRN.
27/02/2025 12h17
A VERDADE SOBRE ALEXANDRE DE MORAES
Javier Cercas escreveu por esses dias no El País que dizer as coisas como elas realmente são pode ser mais difícil do que nunca, mas continua sendo tão necessário como sempre. Parece ser esse o caso quando se trata de falar sobre a parcialidade do ministro Alexandre de Morais nos processos que envolvem os atos antidemocráticos de 8 de janeiro.
Até pouco tempo as alegações de sua parcialidade não tinham qualquer fundamento. Elas se sustentavam em discursos e ações propositadamente fabricados pelos envolvidos nas artimanhas golpistas. Isso para gerar uma situação de conflito com o ministro e assim deliberadamente provocar sua suspeição. É a chamada suspeição artificiosa, bastante comum nos meandros dos processos judiciais e explicitamente vedada, de acordo com o artigo 256 do Código de Processo Penal.
Mas a recente retirada do sigilo da delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, mudou completamente o cenário. Está agora comprovada por “a” mais “b” a prática criminosa contra Alexandre de Moraes. Ele foi vítima. Por isso deve se declarar impedido.
Cid afirmou, sem meias palavras, inclusive citando nomes, que havia de fato um plano para matar o ministro, o presidente Lula e o vice-presidente Geraldo Alckmin. Ou seja, a trama do assassinato não era mera elucubração, mas um desejo concreto de capitães e generais. A delação, junto com os documentos apreendidos, a apuração feita pela Polícia Federal e a concordância do Ministério Público Federal, não deixam maiores dúvidas. A coisa toda realmente aconteceu. Os envolvidos praticaram uma agressão, ainda que simplesmente tentada.
É uma situação objetiva. De maneira que fica agora evidente que há prova robusta de que o ministro do Supremo foi vítima direta dos atos golpistas. E sendo ele uma vítima direta, é indiscutível – tão certo quanto o fato de a terra ser redonda - que ele tem interesse no resultado do processo, ficando caracterizado o seu impedimento para que continue a atuar como julgador da causa.
Diante disso, não parece mais razoável que o Supremo se fie na tese de que Moraes deve permanecer na relatoria do processo, por se tratar do julgamento de um crime de tentativa de golpe de Estado, em que a vítima é a coletividade e não o indivíduo. É que além do crime contra a coletividade há também um ataque direcionado a pessoa específica.
Não é judicioso, tampouco ético, portanto, que Alexandre de Moraes siga à frente do caso nas condições de vítima e de juiz dos acusados. Em outras palavras, não faz sentido, sob qualquer lógica razoável, que ele possa julgar réus que simplesmente tentaram assassiná-lo. Pensar de outra forma é ferir a Constituição Federal, já que a imparcialidade do juiz é uma condição essencial para garantir direitos fundamentais, como o devido processo legal e a ampla defesa.
Para o bem da democracia, é necessário dizer as coisas como elas verdadeiramente são. A parcialidade do ministro Alexandre de Morais parece ser, a partir de agora, uma verdade incontestável.
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