Daniel Costa

Advogado. Assessor no Tribunal de Contas. Doutor e mestre em ciências sociais pela UFRN.

15/10/2024 12h45
O JUDICIÁRIO NÃO TEM MEDO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL?
 
 
A moda agora entre a turma do sistema de justiça é o uso da inteligência artifi-cial. Advogados, juízes, promotores e servidores, enfim, todo mundo anda por aí des-lumbrado com os avanços que a utilização da IA é capaz de causar. Processos com mi-lhares de páginas são resumidos em segundos, relatórios de sentenças são elaborados instantaneamente; pareceres, despachos, tudo pode ser realizado ao gosto do freguês e a toque de caixa.
 
É inegável que a aplicação da IA traz enormes benefícios para o funcionamento da Justiça. O problema começa quando o assunto é visto de costas para o espelho, como se a coisa toda fosse uma marchinha de frevo em pleno carnaval. Noves fora os progres-sos que podem ser alcançados com o emprego da inteligência artificial, o seu uso tam-bém é capaz de desaguar numa desumanização sem precedentes, em que a lógica da produção em série, típica das empresas  privadas, poderá dirigir completamente as en-grenagens do  judiciário.
 
Na verdade, essa lógica empresarial assentada nas ideias de concorrência, de competição e de produção, quando vinculada ao uso da IA pelo sistema de justiça, tem grandes chances de transformar os litigantes de uma ação judicial em verdadeiros produ-tos. E de contribuir para o estabelecimento de uma disputa intestina entre os tribunais, em que os seus objetivos se ligarão exclusivamente ao alcance de metas.
 
Em outras palavras, a adoção da IA a  partir dos mecanismos do mercado, e despida de qualquer sensibilidade humana, desembocará num turbilhão de petições  e de decisões elaboradas com agilidade, mas construídas com base em modelos predefinidos, em que os operadores do direito trabalharão sem analisar as particularidades de cada caso, passando por cima das dores das pessoas. No final das contas, o que se terá é um Judiciário descarnado, sem alma.
 
Não há dúvida de que a inteligência artificial apresenta um enorme potencial de transformação do poder judicante, inclusive quanto à própria democratização do acesso à justiça.  Mas o seu uso deve ocorrer fora da caixinha da lógica resultadista, para que os direitos fundamentais dos cidadãos e o avanço da qualidade de vida das pessoas sejam o seu primeiro e principal motor.
 

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