Daniel Costa

17/03/2023 11h48

Dias de violência


 

Nove jornalistas dos mais importantes veículos de comunicação da Colômbia foram sequestrados a mando de Pablo Escobar.  César Gaviria, então presidente do país, precisou negociar com o narcotraficante, numa cabal demonstração da falência do Estado. Esse acontecimento é contado em detalhes por Gabriel García Márquez, no seu livro-reportagem "Notícia de um sequestro".

Acompanhar essa história, em meados dos anos 90, era como ler um bom romance de ficção, ao menos para um brasileiro que fazia parte da chamada classe média. Algo quase surreal, distante do seu cotidiano. Difícil dar conta de uma realidade em que o narcotráfico tomava as rédeas de um país, medindo forças com grandes autoridades. O retrato perfeito e acabado da "débâcle" do sistema de segurança estatal.

Mas o que era surreal, visto apenas através dos filtros das lentes de um romancista, passou a ser coisa comum na vida diuturna do cidadão brasileiro, a partir da última década. A violência acachapante saiu da periferia para se alastrar pelas avenidas da zona sul, batendo na porta de todas as casas, de Petrópolis a Ponta Negra, trazendo consigo o rastro da bestialidade e a paranoia delirante de quem se vê a todo instante inseguro e desprotegido. O sistema de segurança não existe mais. Agora somos todos iguais, pobres, ricos e remediados. Cada um por si e Deus por todos, como nos velhos filmes de Clint Eastwood.

Os recentes ataques realizados pelo crime organizado se mostram apenas como a ponta do iceberg. Notícias de assaltos, sequestros e assassinatos pululam diariamente nas redes virtuais. Hoje são histórias corriqueiras. A sensação é a de ser parte de uma grande manada de zebras, que correm desenfreadamente na tentativa de fugir do próximo ataque da turba de leões. Ninguém quer ser a próxima vítima, mas o problema é que todas as zebras são iguais.

O mais incrível de tudo isso, é que nos achamos num estado de letargia tal, que não há nenhum movimento da sociedade civil trabalhando no sentido de se exigir o mínimo de segurança do poder público. Apenas indignações de ocasião regurgitadas em razão da cor do partido do gestor. Os governantes não são verdadeiramente colocados na parede para que apresentem propostas de solução, um início de caminho, uma medida concreta minimamente efetiva, que passe ao largo das ideias oportunistas. Aliás, é inacreditável que nesse circuito bizarro ainda apareçam políticos - que jamais colocaram as mãos no cabo da enxada - sugerindo o impeachment do governo, como se isso fosse resolver o problema.

Todos sabemos que a coisa não é simples. O nó é górdio, e envolve desde a pobreza secular reinante no país, passando pela fragilidade do sistema penal, até chegar à atual sociedade de consumo. Mas isso não significa dizer que nada possa ser feito, que políticas de tolerância zero do naipe daquelas adotadas na Colômbia e em Nova York, não consigam ser aplicadas por aqui. Não é possível se resignar com a ideia de continuar a viver como um indivíduo do medievo, que tinha a sua vida restrita aos espaços dos castelos, para fugir da violência praticada pelas hordas de bárbaros.

Não nos deixemos cair numa espécie de modorra social, para adquirir a assombrosa capacidade das pessoas de Medellín, que segundo Gabriel Garcia Marquez "passaram a se acostumar com tudo, o bom e o mau, demonstrando um poder de recuperação que talvez seja a fórmula mais cruel da temeridade ".

*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR.


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