George Câmara

Mestre em Estudos Urbanos e Regionais, ex-vereador de Natal/RN pelo PCdoB, é Diretor Autárquico da ARSEP e autor de livros sobre metrópoles e saneamento básico.

15/08/2024 05h04
 
A URBANIZAÇÃO DESIGUAL
 
Quando comparamos as características das cidades pelo mundo afora, notamos determinadas diferenças entre a configuração atual das localizadas nos países ditos desenvolvidos e aquelas situadas nos chamados países subdesenvolvidos (ou em desenvolvimento, para usar o eufemismo).
 
Ficamos, então, a perguntar: como se explicam tamanhas diferenças? Quais os motivos que levaram as cidades dos países industrializados, ditos desenvolvidos, a serem muito mais organizadas, não apenas na dimensão físico-territorial, do que as dos países do chamado “terceiro mundo”?
 
Quanto ao nosso país, os estudos referentes às regiões metropolitanas brasileiras as apontam, no geral, como ambientalmente frágeis, socialmente desiguais e politicamente desarticuladas. Um verdadeiro caos, onde suas periferias concentram pobreza e desigualdade.
 
Não obstante a isso, a resposta a essas indagações estará muito além do nosso folclórico “complexo de vira-latas”, decantado na crônica de Nelson Rodrigues(*), às vésperas da Copa do Mundo de futebol de 1958, realizada na Suécia:
“Por ‘complexo de vira-latas’ entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol” (RODRIGUES, 1993).
 
Também não é na idade da maioria dessas cidades que encontraremos tais respostas. Evidentemente, o processo que deu origem e consolidou a urbanização em muitas delas, marcadamente nos países colonizadores, remonta a épocas anteriores ao que se deu nos países colonizados. Porém as causas de tamanha disparidade são outras.
 
As cidades brasileiras - entre as localizadas nos países da periferia do sistema capitalista - não estão assim por obra do acaso. O fenômeno que lhe moldou a expressão atual tem sua origem no modelo colonialista, marcado por relações de dependência e de subordinação aos países dominadores.
 
O geógrafo Milton Santos(**) considera que:
 
“A cidade dos países subdesenvolvidos aparece muitas vezes como um corpo estranho, alógeno, inserido em um meio com o qual estabelece relações descontínuas no espaço e no tempo.
 
A não integração do território, impedindo a livre circulação dos elementos da economia (homens, bens, capitais), freia, por si só, o desenvolvimento. É por isso que se pode dizer que a cidade dos países subdesenvolvidos se lança à conquista do espaço a partir de duas verdadeiras alienações: a cidade mesma nasce para servir a interesses distantes e, por outro lado, sua zona de influência é, muitas vezes, ‘espaços derivados’, cuja vida depende, em grande parte, de fatores externos” (SANTOS, 2012, p. 109).
 
As desigualdades locais são inerentes ao sistema de dominação que sofrem os países colonizados e a espoliação de suas riquezas para os colonizadores. Fruto das relações da coroa inglesa com a corte portuguesa, durante o Século 18 (e parte do Século 19), o ouro das Minas Gerais financiou a Revolução Industrial na Inglaterra.
 
Tais relações, não mais subordinadas ao mercantilismo de outrora, mas ao rentismo parasitário do capital financeiro de hoje, continuam e se avolumam, ainda que sejam trocados seus patrocinadores.
 
Impossível ordenar nossas cidades e metrópoles sem um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento que impeça a sangria de riquezas produzidas pelo povo para fabricar uns poucos bilionários pelo planeta afora.
 
São recursos que, em benefício das populações de nossas cidades e metrópoles, poderão patrocinar o necessário e urgente ordenamento urbano na habitação, no saneamento básico, no transporte público e demais áreas.   
 
 
(*) RODRIGUES, Nelson. À sombra das chuteiras imortais: crônicas de futebol. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p.51- 52: Complexo de vira-latas.
(**) SANTOS, Milton. A Urbanização Desigual: a especificidade do fenômeno urbano em países subdesenvolvidos. Coleção Milton Santos, 18. 3ª edição, 1ª reimpressão. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012, 144 p.
 

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