Wellington Duarte
Professor, economista, Cientista Politica, comunista, headbanger, flamenguista, americano e apreciador de Jack Daniels
23/10/2024 15h19
Tempos modernos ou modernos tempos antigos?
Durante a chamada Idade Média, mais especificamente o que se denominou de “Alta Idade Média”, a ação mais comum dos reis convertidos aos cristianismo, quando se deslocavam para as “terras pagãs”, era simplesmente exterminar todos aqueles que se recusassem a se converter. Além disso, todo e qualquer símbolo que não estivesse ligado à fé cristã era completamente erradicado da face da terra.
Na realidade esse apagamento radical não era apenas uma faceta desse cristianismo nascente, mas em tempos muito pretéritos, as guerras movidas por território e fé, acabam por promover extermínios em massa de populações locais, o que não era o caso nem dos conquistadores macedônicos e sequer os romanos, que preferiam expandir via “incorporação” das populações aos seus costumes, o que não significa dizer que não ocorreram, também massacres.
Quando o monge agostiniano Martin Luther, que conhecemos como Martinho Lutero rompeu com os dogmas católicos, principalmente a venda de indulgências, uma espécie de green card para os céus, em 1517, a religião cristã, já dividida desde 1054, entrou numa nova realidade, e isso provocou violenta repressão contra os adeptos da nova doutrina. Sempre a violência.
Mas, em pouco tempo, os perseguidos passaram a repetir o mesmo modus operandis dos perseguidores, ou seja, quem não se curvar aos seus dogmas poderia correr sérios riscos, inclusive de morrer. As novas subdivisões do “luteranismo”, o “calvinismo” e o “zuiglismo”, de fuma ou de outra, radicalizaram suas ações, talvez respondendo a violência católica. Mais violência.
Em se tratando de fundamentalismo cristão dos nossos dias, fica evidente que velhas práticas, com novas roupagens, foram revividas, dentro de um ambiente radicalizado, em termos de práticas religiosas, incorporadas com a lógica da acumulação capitalista, que faria Max Weber torcer os bigodes, com a tal “teologia da prosperidade”, que, a grosso modo estabeleceu uma espécie de “contrato da fé”, entre o eterno pecador e Deus, sendo que a melhor forma do primeiro se reconciliar com Ele, é enchendo as burras da Igreja a que pertence e a completa submissão aos discursos do seu pastor.
Se nos primórdios do cristianismo, a Igreja fundiu-se com o Estado, a tal ponto que o sujeito só era reconhecido como rei, quando o Papa lhe coroava, hoje em dia, depois de décadas em que a Igreja Católica foi o fiador de muitos regimes, bastando recorrer ao salazarismo e ao franquismo, além do silêncio cúmplice de Pio XII, diante dos crimes genocidas dos nazistas, e do trabalho sorrateiro de João Paulo II, um ícone entre os católicos mais fervorosos, e muito querido nos regimes ocidentais, por ter sido um dos arquitetos da queda do regime soviético, a ascensão do neopentecostalismo mostrou que a sede de poder apenas mudou de eixo.
Hoje o neopentecostalismo, no mundo todo, tem uma doutrina não explícita de tomar o poder “por dentro”, ou seja, participar do regime democrático, constituindo partidos fantoches, financiados pelos fundos que tem a mão dessas novas “ordens religiosas”, entram nos meios de comunicação, nas instituições da sociedade civil, nos parlamentos e nos executivos e forjam uma verdadeira tomada de poder, reciclando o fundamentalismo religioso, em um novo patamar, agora bem mais organizado e articulado.
Se muitos advogavam a teses que o século XXI veria a humanidade em um novo patamar civilizatório, muito em função dos avanços tecnológicos, a realidade mostrou que a “revolução tecnológica”, vinda da fome de poder do capitalismo, afastou milhões de pessoas das mínimas possibilidades de ter uma vida razoavelmente tranquila e gerou um extraordinário aumento dos excluídos, amargurados e largados à própria sorte.
O grande vazio foi preenchido por quem apoia e trabalha para a criação desse grande vazio, um repositório quase infinito de mão de obra barata, ou de empreendedores subordinados aos grandes interesses empresariais. E quem está sentido o efeito disso tudo é própria civilização.
Não voltaremos à Alta Idade Média. Isso é bobagem. Mas podemos estar construindo uma nova forma de sociabilidade pautada em elementos estranhos ao racionalismo e que está construindo um ambiente em que quanto mais excluído for da distribuição da riqueza, mais veremos esses que enxergam cifras nos livros religiosos, terem maior adesão, na população, de suas propostas e ideias.
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