Daniel Costa

Advogado. Assessor no Tribunal de Contas. Doutor e mestre em ciências sociais pela UFRN.

13/02/2025 15h42

A INDÚSTRIA DAS PUBLICAÇÕES

 

São poucos os cientistas que podem se dar ao luxo de navegar contra a correnteza. Miguel Nicolelis faz parte desse diminuto grupo. O cientista brasileiro deixou a sua cômoda posição de professor titular de uma universidade americana, para criar seu próprio instituto de pesquisa.

Ele não concordou com a exigência da Duke University de que professores deveriam se tornar meros robozinhos prontos para atingir metas de publicações mensais. De acordo com Nicolelis, esse é um modus operandi científico que já vigora no Brasil e que atualmente começa a chegar com força pelas bandas dos EUA.

Ao agir assim,  ele escancarou o buraco sem fim que envolve a produção científica nas universidades de boa parte do mundo. No caso do Brasil, as instituições de ensino - e mais particularmente os seus programas de pós-graduação - são hoje uma grande indústria de produção de trabalhos, em que a quantidade de textos publicados importa muito mais do que o nível científico que deveriam conter.

As publicações em revistas científicas, conforme as regras estabelecidas pela CAPES, contam pontos para os programas; e quanto maior a avaliação da revista, o chamado Qualis, melhor a nota do programa e maior a quantidade de recursos destinados à pesquisa. Daí que para se tornar professor universitário, ou entrar numa pós-graduação, é necessário ter publicações em profusão.

Cientes desse obstáculo para o alcance do sucesso acadêmico, as editoras forjaram um comércio absurdamente rentável envolvendo a produção das tais publicações. Para se ter uma ideia de como as coisas andam meio desalmadas, estudantes, professores e pesquisadores têm seus e-mails invadidos pelas editoras, que chegam a enviar propostas que podem alcançar o insano valor de 15 mil reais para a publicação de um único texto.

Mais do que produzir boa ciência, hoje em dia é preciso bater metas. Ou seja, custe o que custar, literalmente, é imprescindível publicar. Não por outra razão, um estudo divulgado pela Nature apontou que tem crescido, de forma acachapante, o número de autores superprolíficos, capazes de publicar um artigo a cada cinco dias. 

Assim, seguindo um modo de funcionamento em que a capacidade produtiva é mais importante do que o mérito intelectual, e que a própria condição social do indivíduo está umbilicalmente atrelada ao sucesso acadêmico - já que sem dinheiro não se publica - vocações são diariamente perdidas. Como disse Fernando Reinach, pesquisador titular da Academia Brasileira de Ciências, “um Newton da vida, que passava a vida toda trabalhando e publicava pouco, não teria chance no século 21”.

No fim, o que se tem é a razão neoliberal tomando conta das instituições de ensino, motivo pelo qual são vistos cada vez mais doutores semianalfabetos ocupando importantes cargos, especialistas tão somente em recortar e colar pesquisas alheias.

Isso tudo precisa mudar, e talvez um bom começo seja fazer como Miguel Nicolelis: navegar contra a correnteza para reavivar o ideal de que a capacidade criativa do ser humano deve ser o motor principal da atividade científica.

 

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