Daniel Costa
Advogado. Assessor no Tribunal de Contas. Doutor e mestre em ciências sociais pela UFRN.
12/03/2025 10h00
SIMPLES PÔR DO SOL
São milênios de civilização e um bocado de descobertas, mas chegamos ao século XXI com uma elefântica dificuldade de encontrar o humanismo de que tanto se fala por aí. Fora dos livros, o que a gente vê é a desumanidade tomando conta de tudo: atos racistas nos estádios de futebol, ameaças nucleares, violência absurda contra as mulheres, práticas criminosas por razões puramente ideológicas, milhares morrendo à míngua nos subúrbios das grandes cidades e tantos outros horrores que a televisão e a internet são prodígios em retratar.
Nessas horas, diante de uma vida governada pelo mal, o absurdo camusiano e o pessimismo cósmico de Cioran fazem todo sentido. Como não acreditar que o diabo é uma representação de nós mesmos e que Deus não passa de uma ficção, a utopia do homem ideal? Será que o humanismo se restringe à retórica fabricada pelos cientistas de birô?
A sorte é que, nos dias nebulosos, quando a gente acha que as coisas se resumem a uma descida sem freio, os fazedores de esperança surgem para mostrar o outro lado da moeda. Humanistas, agem sorridentes numa doçura impossível de ser explicada pelos donos do saber. São as pessoas que vivem como nas letras praieiras de Dorival Caymmi, nas canções caipiras de Renato Teixeira ou nas músicas de amor de Vinícius de Morais, sempre alegres, simples, sóbrias, capazes de encontrar felicidade numa pescaria, no tabuleiro do acarajé, ou na beira do mar, numa tarde em Itapuã, sem entrar no prazer obsessivo por roupas de marcas, celulares de ponta e carros de último modelo.
O bom é vê-las sorrir e ouvi-las contar histórias. É perceber a alegria com que falam sobre os outros. O prazer que encontram em tão somente ajudar, sem pensar na própria salvação, a troco de nada. São professores que aprenderam a lição e fazem questão de ensinar como seguir em frente, mesmo que seja na contramão de tudo que está posto. Não se deixam abater pelo desânimo dos golpes de tacape lançados pela multidão.
Pode-se chamá-los de sonhadores, é verdade. Mas essas pessoas existem, sobrevivem aqui, entre becos e esquinas, na realidade excruciante desse mundo bem diferente da Pasárgada do poeta Manuel Bandeira. E o que seria do humanismo, além de retórica, se não fossem elas?
É imprescindível valorizá-las e reproduzi-las nas escolas do globo. Vamos fazer marchas, passeatas e protestos. O século XXI nasceu precisando de muitos desses românticos, que se emocionam com as passagens das nuvens e com o simples pôr do sol.
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