Advogado. Assessor no Tribunal de Contas. Doutor e mestre em ciências sociais pela UFRN.
Para quem acompanha o tabuleiro da geopolítica internacional, não chega a ser grande novidade o atual entrevero entre China e Estados Unidos disfarçado de disputa comercial. O crescimento exponencial da República Popular da China, a partir dos anos 80, com o seu avanço tentacular sobre o comércio global, já prenunciava esse conflito. Era claro que os chineses, em algum momento, passariam a rivalizar com os EUA, de forma tal que o passo seguinte seria a disputa pelo cajado da hegemonia mundial, dominado pelos norte-americanos desde o fim da Segunda Grande Guerra.
A ocasião chegou. O conflito comercial, envolvendo uma escalada de taxações sobre produtos, é o pano de fundo escolhido para que esse choque entre potências ganhe contornos explícitos. Ao tributar em mais de 100% os produtos chineses, os EUA almejam transformar em fuligem a economia do rival, modificando a cadeia de suprimentos globais e diminuindo o poder da China diante do resto do mundo.
A China, por outro lado, ao se lançar nessa rinha de punhos fechados, impondo aos Estados Unidos uma tarifa de 84%, pretende muito mais causar um estrago de natureza política do que propriamente gerar uma quebra no sistema econômico do Tio Sam, pois os EUA dependem muito menos do mercado consumidor de Pequim.
Dito de outra maneira, o país asiático sabe que o ponto nevrálgico dos americanos está menos na sua dependência do mercado chinês, e mais na crise política interna que as tarifas sínicas poderão causar. É que, como se sabe, o sistema político dos EUA tem bases republicanas e democráticas; o que significa, dentre outras coisas, a existência de limites institucionais ao presidente, que precisa negociar com o parlamento, respeitar a liberdade de imprensa e principalmente angariar o apoio dos eleitores. De forma que uma tempestade econômica causada pelas taxações chinesas é capaz de abalar as bases de Donald Trump, suscitando uma crise do tamanho de um trem.
Por outro lado, como o sistema político chinês se desenrola de outra forma, sendo conduzido por uma única força, o Partido Comunista da China, que opera de maneira centralizada, com o controle do parlamento e da imprensa, a possibilidade de um colapso político gerado pelo tarifaço norte-americano é consideravelmente menor.
Assim, uma insatisfação da população, diante de uma convulsão econômica, tem o poder de afetar muitos mais os EUA do que a China. E é com isso que joga a turma de Xi Jinping, ao se dispor a entrar no ringue econômico e medir forças com os americanos.
Quem vai ganhar essa disputa e como ela irá acabar? Essas são perguntas sobre as quais as respostas valem trilhões de dólares, pois a única certeza atual é a de que se trata de uma guerra que veio para ficar.
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