02/06/2022 12h41
Por: Jessyanne Bezerra e Renato Moraes
Os olhos azuis de Neide Gomes, 51 anos, moradora da Cidade Nova, em Natal, ainda brilham de emoção ao lembrar-se da vizinha, Rosa de Lurdes, a Dona Rosa, 71 anos, entre os escombros da pequena casa, que desabou na madrugada de domingo, 6 de fevereiro. Chovia muito na capital potiguar.
“Eu pensei que tinha sido um trovão. Foi quando eu escutei o vizinho dizendo assim: Rosa, ô Rosa, sua casa caiu? Eu levantei correndo! Quando eu cheguei perto de Rosa, chamei: Rosa, você tá bem?”. A resposta foi um alívio, lembra: “Estou bem. Tô só aqui no cantinho, mas estou bem, graças a Deus”.
Neide conta que Dona Rosa teria ficado de pé quando a parede caiu sobre a rede em que dormia. “Acho que imediatamente ela se levantou e foi pro cantinho. Quando ela saiu, ela saiu com aquelas duas bíblias na mão”, conta, apontando para os livros na sala da casa nova.
Divulgação/Reforamar
Logo depois de Rosa ter sido abrigada na casa de uma amiga, que interrompeu o processo de venda do imóvel para ajudar a aposentada, Neide iniciou uma campanha para arrecadar material para a reconstrução da casa. Foi a emissoras de televisão, mobilizou os vizinhos e começou a receber doações de material de construção. Até que a Reforamar entrou na história.
Dona Rosa ‘furou a fila’
“A Dona Rosa foi uma seleção que não foi feita pelo formulário. Os vizinhos souberam da história do desabamento e aí a mídia foi divulgando, muitos voluntários da gente foram entrando em contato”, conta Fernanda Silmara, 26 anos, idealizadora do Reforamar. Com a mobilização, lembra, “fomos lá para ver se ela estava dentro dos critérios e a gente se emocionou”.
Formalmente, Reforamar é uma associação sem fins lucrativos formada por pessoas que se uniram com o propósito de transformar vidas através da reforma de casas e organizações da sociedade civil em situação de vulnerabilidade social.
Mas para Fernanda, uma engenheira civil que abraçou um projeto de ir além de erguer paredes e prédios, o projeto significa muito mais. “A gente não quer só entregar uma casa reformada, a gente quer transformar vidas entregando um lar”, resume.
Divulgação/Reforamar
Fundado em junho de 2018, o projeto contava inicialmente com cinco pessoas. Hoje, são cerca de 300 voluntários. Até o momento, a ONG já realizou 17 ações e segue na busca de mais recursos – a Reforamar trabalha com doações – para mais reformas.
“Cada ação é diferente, não é uma casa padrão que a gente entrega. Entregamos o lar de acordo com o contemplado e colocamos a cultura do nordeste em frente a este lar. Nas fachadas, chamamos um artista local para fazer a pintura”, o que ocorreu com a casa de Dona Rosa, que ganhou pintura estilizada com o Forte dos Reis Magos.
Experiência própria inspirou o projeto
Foi através da própria vivência que aos 21 anos Fernanda decidiu mudar a vida dos outros. Era uma casa de taipa, de tijolo branco, cheia de goteiras, no Alecrim, conta. “Meu tio percebeu que era meu lar que me afetava e perguntou se eu gostaria que ele reformasse meu lar e eu, obviamente, aceitei. E foi com minha bolsa de estudo da IFRN, que o dinheiro que eu recebia ia comprando cimento, areia e no fim de semana ia botando a mão na massa”, esclareceu.
“Teve um dia que eu cheguei e o telhado estava todo novo, não tinha nenhuma goteira. Então aquele momento foi muito significativo para mim, foi a primeira vez que eu me senti num lar”. Fernanda Silmara, sobre a reforma da própria casa, que impulsionou o projeto da Reforamar
Fundar o Reforamar foi uma espécie de retribuição à experiência de ver a própria casa reformada. E o primeiro projeto foi no mesmo bairro. “E eu quis multiplicar o sentimento que o meu tio me proporcionou. Então fui falando com alguns amigos e eles toparam. Então a gente começou, lá no Alecrim, e a primeira casa foi de Dona Leila. Fizemos a pintura da fachada. Mas só com a fachada ela já teve uma gratidão enorme”, lembra a engenheira.
No momento, o Reforamar tem quatro projetos selecionados que aguardam arrecadação de fundos e materiais para início da execução. As doações podem ser feitas na sede da ONG, em Candelária. Para saber mais, acesse aqui.
“Selecionamos o lar e chamamos os arquitetos para fazer a sondagem e entender o que incomoda na casa, o que gostariam de mudar, de ter, a cor, como gostariam que fosse a fachada. Daí fazemos o projeto 3D, que é como a casa vai ficar quando entregar, e mostramos para o contemplado e se eles aprovarem, iniciamos a execução”, detalha Fernanda.
Em síntese, hoje o trabalho do Reforamar é baseado em processos organizacionais com foco no contemplado. Desde o mais sutil, seja reformando a fachada da Dona Leila, no Alecrim, até o mais complexo, reconstruindo totalmente a casa da Dona Rosa, na Cidade Nova. Mas Dona Neide, a vizinha, também ganhou fachada nova.
Divulgação/Reforamar
Amizade de 40 anos
Paraibana de Cuité, Neide chegou a Natal aos 11 anos. Há 40 mora no mesmo endereço. Essa matemática resume a amizade entre elas. “Quando era a outra casa, toda destruída, só quem entrava era eu. Porque ela tinha confiança em mim. Eu entrava e ela fica balançando na rede. eu me sentava num balde e ficava até não sei que horas conversando com ela”, lembra.
Viúva, a aposentada recebe poucas visitas. Os filhos, conta Neide, raramente aparecem. Lembrando o episódio do desabamento, Dona Rosa resume o que Neide significa para ela: “é como fosse uma mãe para mim”.
Renato Moraes
Depois de receber a informação que a Reforamar assumiria a reconstrução da casa, Neide conta ter feito apenas um pedido. Que fossem eliminados os becos que haviam ao lado da casa. “O pessoal daqui, vendo que ela morava sozinha, jogava muito lixo nos becos. Foi retirado muito lixo aqui do dos becos dela”.
Solicitou, ainda, um quarto com banheiro. Com os pedidos atendidos, da antiga casa de apenas dois vãos surgiu um imóvel com quarto (suíte), sala, cozinha, área de serviço, quintal e varanda.
Não fosse a ajuda da Reforamar, a reconstrução não seria possível, conta Neide. “Aqui rua todos disseram que ia ajudar. Todos! Quando foi na hora não apareceu nenhum para dizer assim: eu vou fazer esse traço!”.
Autor: Jessyanne Bezerra e Renato Moraes