Rio Grande do Norte
Governo do RN cede prédio histórico para Casa de Cultura em Acari
18/03/2025 16h33
Foto: Raiane Miranda
Há anos, artistas, músicos, dançarinos, escritores e artesãos de Acari sonhavam com um espaço próprio para criar, ensaiar, ensinar e compartilhar suas expressões com a cidade. A cada evento, a cada oficina improvisada em salões cedidos temporariamente, crescia o desejo por um lugar fixo onde a cultura pudesse florescer sem a incerteza de ter que buscar um novo endereço. Nesta terça-feira (18), esse desejo começou a se tornar realidade.
Atendendo a uma reivindicação da população, da sociedade civil e de agentes culturais, a governadora Fátima Bezerra anunciou a cessão do prédio onde funcionou a Escola Estadual Tomaz de Araújo para a Fundação José Augusto (FJA). O imóvel, que por décadas abrigou o aprendizado formal, agora será um ponto de encontro da arte e da memória local, integrando a rede de Casas de Cultura Popular do Rio Grande do Norte.
“Este prédio tem um valor imensurável para Acari, para o Seridó e para o nosso estado. Aqui, muitas gerações foram alfabetizadas e formadas. Agora, ele inicia um novo ciclo, sem perder sua essência educativa, mas expandindo seu papel para acolher e fortalecer a cultura do nosso povo. O Rio Grande do Norte tem uma identidade cultural muito rica, e garantir espaços como este significa preservar nossa história e fomentar o talento da nossa gente”, destacou a chefe do executivo estadual.
A escola, que funcionou até 2017 e marcou gerações de acarienses, terá seu prédio de 83 anos restaurado. A cessão oficial foi assinada durante uma solenidade no local, marcada por discursos emocionados e pelo resgate de memórias que se entrelaçam com a própria história de Acari.
O prefeito de Acari, Fernando Bezerra, destacou como marca da conquista anunciada o diálogo, lembrando que desde a primeira reunião que teve com a governadora Fátima Bezerra, em 2021, as portas sempre estiveram abertas para que o projeto se tornasse realidade. “Agora, a prefeitura, que desde o início sempre esteve presente, está disponível para colaborar com o Governo do Estado, com a Fundação José Augusto, na concretização dos passos seguintes na direção da execução e do funcionamento do projeto Casa de Cultura – Grupo Escolar Tomaz de Araújo”.
Entre os presentes, a atriz Titina Medeiros, natural de Acari, relembrou sua ligação com a Escola Tomaz de Araújo, onde estudou os primeiros anos do ensino fundamental e onde sua mãe, professora, lecionou por mais de duas décadas. Emocionada, Titina compartilhou como aquele espaço influenciou sua trajetória artística.
“Eu me alfabetizei aqui. Estudei a primeira, a segunda e a terceira série nessa escola, sempre na mesma sala, que era dividida por um tapume. Era um espaço simples, mas cheio de significado. E, por ironia do destino, me alfabetizei justamente em uma escola que tinha um palco. A gente utilizava esse palco, e eu lembro que minha professora, Verinha, fazia atividades com a turma ali. As cadeiras ficavam dispostas e subíamos no palco para exercícios. Talvez tenha sido ali que começou minha relação com as artes cênicas, ainda sem que eu soubesse”, recorda.
Uma história de luta e superação
A transformação da antiga escola em Casa de Cultura ressoa na trajetória de tantas vidas que passaram por suas salas. Uma dessas histórias é a de Francisca Pires Calvão, conhecida como Chiquinha Pires. Sua filha, Joana Dark Pires, emocionou os presentes ao compartilhar um relato que atravessa gerações.
Na década de 1950, Chiquinha morava na zona rural e desejava estudar no Grupo Escolar Tomaz de Araújo. Mas havia um obstáculo: seu pai só permitiria que ela fosse para a cidade caso o barreiro de sua terra — onde a barragem Gargalheiras ainda estava em construção — enchesse de água.
Movida pela esperança, a menina fez uma promessa. Ajoelhou-se ao meio-dia, sob o sol quente, e pediu que as chuvas viessem. Quando o barreiro encheu, o pai ainda hesitou, mas Chiquinha insistiu e chegou à escola com as aulas já iniciadas. Apesar do atraso, terminou o ano com a segunda melhor nota da turma.
“Eu cresci ouvindo essa história. Minha mãe sempre sonhou com a educação, pois, naquela época, muitas mulheres da família não podiam frequentar a escola. Esse sonho dela me motivou. Também saí da zona rural para estudar no Tomaz de Araújo e, anos depois, me tornei médica veterinária. O Seridó é tudo para mim, é onde cresci, vivi e construí minha história”, disse Joana Dark.
Agora, o prédio que um dia simbolizou o esforço de Chiquinha e de tantos outros estudantes passará a abrigar um novo tipo de aprendizado: aquele que fortalece a cultura e a identidade do povo acariense.
Um espaço para a cultura florescer
Para Regina Célia de Oliveira Pereira, presidenta da Associação Criativa de Artesãos de Acari, a Casa de Cultura será fundamental para os fazedores de cultura da cidade.
“A importância de ter esse espaço é enorme, tanto para o pessoal que faz apresentações e participa dos grupos culturais quanto para nós, da associação. Estávamos num impasse, sem um local fixo para expor nosso trabalho e realizar os cursos para as artesãs. Agora, teremos um espaço próprio e não precisaremos mais nos preocupar em procurar outro lugar”, afirma.
A Secretaria de Educação do Estado (SEEC) fará uma intervenção inicial para viabilizar o uso do prédio. “Essa é uma das mais antigas escolas do Seridó. Já funcionou a todo vapor, mas, com a chegada de outras instituições de ensino, como escolas estaduais e institutos federais, foi gradativamente esvaziada. Hoje, temos essa belíssima estrutura, que será preservada. Toda a sua arquitetura original será mantida, passando apenas por adaptações para sua nova função”, ressaltou a secretária estadual de Educação, Socorro Batista.
A restauração completa será realizada pela FJA, em parceria com o Ministério da Cultura, mas ainda não há um projeto definido nem valores estimados para a obra. A previsão é que a Casa de Cultura de Acari inicie suas atividades no segundo semestre deste ano.
Para Gilson Matias, presidente da Fundação José Augusto, a inauguração de mais uma Casa de Cultura representa um avanço para a cultura potiguar.
“Que notícia incrível sobre a nova Casa de Cultura na região do Seridó! É maravilhoso ver como artistas e produtores culturais se mobilizaram para transformar uma escola desativada em um espaço dedicado à celebração e promoção da cultura local. A parceria entre o governo, a Secretaria de Educação e a comunidade é fundamental para que essa iniciativa ganhe vida e se torne um ponto de encontro vibrante para todos os fazedores de cultura. A pedra fundamental é um marco simbólico, e é animador saber que a Casa de Cultura abrirá espaço para diálogos e colaborações com diversos grupos”, pontua.
Casas de Cultura Popular no RN
Criadas em 2003, as Casas de Cultura Popular têm o objetivo de descentralizar e democratizar o acesso às atividades culturais no estado. Instaladas em casarões históricos, antigas estações de trem e outros prédios de valor arquitetônico, as unidades funcionam como polos de difusão da cultura local. Atualmente, cerca de 50 equipamentos e grupos artísticos são gerenciados pela Fundação José Augusto.
Com apoio de prefeituras, organizações não governamentais, artistas e agentes culturais, as Casas de Cultura se consolidaram como espaços de integração entre sociedade civil, poder público e mercado cultural.
Investimentos na recuperação das Casas de Cultura
O Governo do RN foi contemplado pelo edital Resgatando a História, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para recuperar espaços culturais no estado. O projeto destina R$ 11,2 milhões para reforma de 14 Casas de Cultura Popular, incluindo a renovação de auditórios e aquisição de equipamentos.
Os recursos vêm de patrocínios do BNDES e do Instituto Neoenergia, além de contrapartida do Governo do Estado. Entre as unidades beneficiadas estão as Casas de Cultura de Alexandria, Cruzeta, Currais Novos, Florânia, Grossos, Janduís, Jardim do Seridó, João Câmara, Lajes, Macaíba, Parelhas, São José de Campestre, Umarizal e Viçosa.
A reforma da Casa de Cultura de Acari será realizada dentro dessa política de preservação e incentivo à cultura potiguar, fortalecendo a identidade e a memória da região.