Petroleiro e vice-presidente da Academia de Letras de Macau
ERASMO XAVIER, UM ARTISTA CONSTRUTIVISTA
Enquanto membro da AMLA – Academia Macauense de Letras e Artes, estive em junho de 2017 na companhia do nosso presidente Horácio Paiva, professora e acadêmica Michelle Paulista, escritor Thiago Gonzaga, poeta Oreny Jr. e do escritor e ensaísta Manoel Onofre Jr. visitando a biblioteca do imortal e cronista da ANRL – Academia Norte-Rio-Grandense de Letras e também da AMLA, Vicente Serejo. Diga-se, de forma bastante antecipada, trata-se de uma das maiores bibliotecas particulares do RN, quiça, entre outras do mesmo quilate no Brasil. Quase três anos já se passaram, mas parece que foi ontem, afinal foi ali onde tomei conhecimento de um dos maiores artistas plásticos do RN chamado Erasmo Xavier.
Regada a um bom regabofe, o anfitrião fez questão que os convivas participassem. A conversa envolvia cultura, academia de letras, artes, e, é claro, política, no seu sentido mais amplo e irrestrito.
Ademais, no desenrolar de várias questões apresentadas, contestadas, harmonizadas e consensualizadas, tivemos também a agradável inserção no grupo da jornalista e escritora Rejane Cardoso, autora do livro ERASMO XAVIER – O ELOGIO DO DELÍRIO, que chegara minutos depois.
É aqui que surge a temática sobre a qual escrevo para este veículo, alusão que faço a um esquecido e que precisa ser relembrado como muitos outros da terra de Poti, que nascem e se tornam nuvens que se formam e desaparecem tornando um vazio azul nos espaços da nossa formação social, política e artística da província. Erasmo Xavier foi um “artista gráfico, modernista, caricaturista, fotógrafo amador, redator de artigos, notívago e boêmio e que só bebia leite”, como escreve na apresentação a autora no segundo parágrafo do livro.
Prematuramente Erasmo Xavier desencarnara aos 26 anos de idade, acometido que foi da “peste branca” como era chamada a tuberculose à época, nota dada no mesmo livro no prefácio magnifico de Iaperi Araújo que tem como título: Do Delírio À Peste Branca. O falecimento de Erasmo Xavier se deu em 1930 e o seu nascimento em 1904 na cidade de Natal.
A Autora, recorrendo de todo um trabalho sobre o seu sobrinho, elenca os seus hábitos artísticos e pessoais, descreve assim, que além das grandes amizades ilustres da sua época, era também partícipe de revistas nacionais importantes como o Malho, o Cruzeiro e a Cigarra aqui de Natal.
Erasmo Xavier era ladeado por ilustres amigos, para citar alguns, como Lauro Pinto, Dr. Eloy, Cel. Félix Teixeira, Edgar Dantas, o jornalista Manuel Avelino, Djalma Marinho, Ângelo Pessoa, Edgar Barbosa e Câmara Cascudo. Deste último, vem a seguinte frase, descrita na contra-capa do livro de Rejane: “Pela inspiração modernista, pelo arrojo das cores, pela disposição das massas, pelo inusitado do conjunto, o trabalho era magistral. Ninguém o superou. Mas o desenhista, decorador viveu depressa. A reserva vital esgotava-se como um comburente precioso e rápido...”.
Repara, o etnólogo brilhante, folclorista e historiador, inicia escrevendo: “Pela inspiração modernista...”, coisa que não discordo, mas, para a justeza da história, e como um curioso da história das artes, dúvidas não existem quanto a esta afirmação, até pelos trabalhos na região sudeste do país, bem como o ethos que o descrevia através do que ocorria na sua época onde até bem depois do seu falecimento o que predominava era a cultura da “devoração” do que produzimos e nos refizemos como produtores de uma boa arquitetura, literatura, artes plásticas, cultura, etc., ou seja, a nossa própria produção precisava ser devorada. E isto foi bastante evidenciado com o movimento antropofágico a partir de 1922 que culminou com a Semana de Arte Moderna, tendo à frente Oswald de Andrade, Victor Brecheret, Mário de Andrade, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Menotti Del Picchia, Plínio Salgado, dentre outros. Porém, ocorriam rupturas vanguardistas em todo o mundo. Principalmente durante e pós Revolução Russa de 1917. A onda era romper, quebrar dogmas e subverter diversas ordens pelo mundo afora.
Quero então, afirmar, que pelos traços analisados, tanto pelo pensamento como a própria arte em si, Erasmo Xavier não era apenas modernista, no que se referia ao modernismo engendrado e articulado no Brasil, mas talvez um dos precursores do construtivismo no país. Esta corrente, o construtivismo, foi fundada na Rússia nos anos 20 e 30 por Alexander Rodchenko, que além de artista gráfico era também pintor abstrato, fotógrafo, escultor, arquiteto e designer. Após a Revolução Russa, Rodchenko fez várias capas importantes para os principais jornais e revistas bolcheviques na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, além de ser responsável pelos museus e escolas de arte daquele país. Como a sua arte era engajada, Rodchenko influenciou vários artistas mundo afora.
Ao analisar traços e capas de revistas, o visionário e multifacetado Erasmo Xavier se aproximou ao máximo do que poderíamos chamar de arte de vanguarda e revolucionária que enriqueciam todas as capas de revistas daquele período, e, de certa forma, mergulhou na fonte de Alexander Rodchenko. Isto é evidenciado, se compararmos as capas das revistas a Cigarra No 1, 5 e 3, bem como o miolo de cada uma dessas edições e também a capa da revista O Cruzeiro de No 16, com o retrato de Lia Brik de 1924, ou os cartazes do construtivismo russo que propalavam a revolução de 1917 e outros que foram produzidos em outras anos seguintes por Rodchenko e tantos simpatizantes do construtivismo.
Dessa forma a escritora Rejane Cardoso foi feliz em nos apresentar através do seu Elogio do Delírio, um Erasmo, mesmo que tendo partido muito prematuramente, um gênio que certamente ainda jovem já estava antenado com as artes em todos os continentes, que pela própria dinâmica dos embates e combates travados naquele século e período, ajudou na nossa formação moderna sobre como produzir novos tipos de Artes.
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