Alfredo Neves

Petroleiro e vice-presidente da Academia de Letras de Macau

16/06/2020 18h41
 
A escultura e o entalhe do macauense Jordão 
 
José Jordão Arimatéia, Escultor e entalhador, nasceu na cidade de Macau em 03 de abril de 1949, atualmente está com 71 anos de idade. Ainda criança iniciou os seus trabalhos de escultura. Passou um tempo morando em Fortaleza-CE e em 1966 veio morar em Natal. 
 
“[...] De origem humilde, filho de lavadeira e cozinheira, muito cedo, ainda com oito anos de idade, Jordão já tinha uma certeza, queria ser artista. “Eu gostava mesmo era de cantar. Eu queria ser artista de qualquer coisa, mas não deu pra ser cantor. Ai um dia, lá no campo do Rio-Mar... tinha chovido. Tava uma planície bonita... comecei a desenhar no chão”. Foi exatamente nesse dia que o escultor deu de cara com o labor criativo que o acompanha até hoje. “Vinha passando dois cidadãos e um disse assim: ‘Esse menino é muito bom desenhista. Parece coisa do artista Newton Navarro. Com essa frase, Jordão resolveu definitivamente que iria ser àquilo. Iria ser artista.” (MAMEDE, 2008)
 
Jordão é discípulo de Ziltamar Sebastião Soares de Maria, o Manxa (1949 – 2012), outro reconhecido entalhador e escultor do Rio Grande do Norte. Há ainda outros nomes importantes na escultura do estado, tais como: Guaraci Gabriel, Paulo Cesar Gonçalves, Adriana Vieira Lopes, Edilson de Figueiredo, Emanoel Câmara, Paulo César Gonçalves, Raimundo João de Araújo (Mundoca). Este último, segundo artigo publicado pelo poeta e artista plástico Eduardo Alexandre no site Papo Cultura, teve participação direta na produção das colunas do Edifício Rio-Mar com Jordão. Ademais, sobre a talha em Madeira e a escultura, o movimento, a técnica e o estilo, pude detalhar aqui na minha coluna do dia 24/04/2020.  Aos interessados recomendo ler o artigo sobre Manxa. 
 
De forma bem breve, há escultores que utilizam várias técnicas, e cabe aos interessados saber qual a maneira de esculpir que irá abraçar. Pode ser escultura e entalhe em madeira, metal, granito, mármore, pedra sabão, areia, rochas mais resistentes, em argamassas depois de curadas, bronze derretido, cimentos, ou barros trabalhados e prontos para a intervenção das mágicas mãos dos escultores e entalhadores e em múltiplas bases escolhidas pelo artista. Jordão fez a escolha pelo entalhe em madeira e em grandes esculturas e painéis gigantes de cimento e ferro, que mais abaixo os detalharei, que são alguns existentes em Natal e outros tantos espalhados pelo Brasil e na Europa, já que passou um tempo na França. 
 
Sobre um momento triste da arte de Jordão, relato a destruição de uma de suas maiores obras: O Anjo Azul. Este monumento, fincado numa residência na Avenida Hermes da Fonseca, onde antes era uma Galeria de Arte, próximo da Escola Doméstica, teve um fim trágico e questionado até os dias atuais pelos que gostam de arte e principalmente de esculturas. O Anjo, de trombeta nas mãos, como se tivesse anunciando o nascimento do menino Jesus, numa mensagem vinda do Superior, foi vilipendiado do seu altar no ano de 2012, como se fosse para permitir o fim da paz que acalentava os nossos corações e o coração do artista. Essa ação trouxe consequências tristes para Jordão, principalmente a aceleração de algumas doenças, como uma cegueira que só foi debelada com a ajuda de profissionais da área de oftalmologia.  Muitas coisas fazem mal aos homens, mas destruir uma obra de arte, queimar livros e colocar seres humanos na fogueira por professarem as artes e contestarem a teoria terraplanista, por exemplo, são coisas abomináveis e repudiantes, mesmo sendo, absurdamente, em nome do progresso imobiliário. De forma inverossímil, sem adentrar no mérito que levou a “detonação” do Anjo Azul, e já antecipadamente condenando tal ato, uma estrutura de ferro e cimento de 12 metros de altura e medindo 28 toneladas, não merecia tal fim, e, confesso, jamais se viu tamanha sandice, em meio a tantas na terra de Cascudo, Navarro e Dorian. O Anjo decaído, esquartejado e fragmentado, encontrava-se até pouco tempo com as suas partes espalhadas na Praça Omar O’Grandy ou Alagamar, em Ponta Negra, para nunca mais adquirir a sua forma original.
 
Outras obras são dignas de visitação e admiração, além da Estrutura do Edifício Rio-Mar na Cidade Alta, com temas ricos representando a exuberância do nosso calor tropical, há, entretanto, outras também dignas e importantes em outros locais de Natal, tais como: “Os Meninos Músicos”, no pátio do IFRN, Campus da Cidade Alta, “Frei Damião” de 1982, na Avenida Alexandrino de Alencar, num posto de gasolina de frente ao Corpo de Bombeiros, “Netuno”, num muro do Hotel Buriti na Avenida Nove, no Bairro do Alecrim, “Rendeira”, na parede externa do prédio principal o Centro  Convenções de Natal na Via Costeira, “O Dragão”, 1971, na Praia dos Artistas, “Lampião” e “Salinas” em Latão, também no Centro de Convenções, “Pescador” , na Praia da Pipa. 
 
“Assim como as viagens que fez por aí, a relação de Jordão com a arte também é repleta de idas e vindas. Na sua história de vida, o artesão confessa que o alcoolismo foi uma personagem persistente em várias ocasiões. “Já deixei muitas vezes a arte. A bebida faz a gente perder a criação. Eu trabalhava só pra manter o vício. Um trabalho que valia quinhentos, eu vendia por duzentos, né... a sede era maior”. Mergulhado num poço que parecia não ter fim, Jordão ficou 15 anos no limbo sem criar uma peça sequer. “Perdi a criatividade, a inspiração. Por desgosto mesmo! Vergonha da sociedade”.  Depois do período nebuloso de auto-exílio, Jordão deixou de beber e se casou de novo. Apagou de vez o capítulo dedicado às bebidas. “A arte me chamou de volta. Hoje eu vivo pro meu lar, minha esposa e minha filhinha”. (Jordão conta isso segurando a pequena Lua no colo).” (Mamede, 2008) 
 
Dessa forma, temos diante de nós, e no meio artístico do RN, um artista que escreve a nossa saga em seus murais gigantescos pela província. Diga-se, sem pestanejar, produções artísticas grandiosas. Com a sua barba estilo Omar Sharif, quando do seu papel em Doutor Jivago, Jordão tem um olhar introspectivo e ao mesmo tempo atento aos novos tempos. Com o seu inseparável turbante e de sorriso contido, é o nosso escultor maior e de profunda ligação tanto com a história de Macau-RN, bem como com a do estado e a do país. 
 
FONTES DE PESQUISA
 
Mamede, Filipe. In OverMundo - . Acesso em: 16 de Jun. 2020. 
 
Guerra, Cláudio. In O Baú de Macau. . Acesso em: 16 de jun 2020.

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