Alfredo Neves

05/05/2020 00h08
 
A arte cinética e cinecromática do natalense Abraham Palatnik
 
 
A pintura tem uma dupla vantagem sobre a linguagem das palavras. Em primeiro lugar, ela evoca os objetos com mais força, tornando-os mais próximos. Em segundo, ela abre plenamente as portas para a dança interna do espírito do pintor. Essas duas propriedades da pintura fazem dela um instrumento maravilhoso para provocar o pensamento – ou se os senhores preferirem, a clarividência.
                                                                    (Jean Dubuffet)
         
Abraham Palatnik nasceu em Natal em 1928, o seu pai Tuvya Palatnik e a mãe Olga Palatnik são da Staraya Ushitsa, na Ucrânia. Quando concluía este artigo, já no sábado, 02 de maio de 2020, recebi do amigo Ivam Pinheiro a triste notícia de que o mestre Palatnik estava em estado grave, acometido que foi, pelo Covid-19, numa clínica do Rio de Janeiro. Fui pego de surpresa, e espero receber notícias da sua plena recuperação o mais rápido possível e consequentemente o seu rápido retorno para o nosso convívio social assim que passar essa pandemia do Coronavírus. 
 
Segundo Simonita Palatnik Cohen, por várias gerações, a família Palatnik viveu em Staraya Ushita trabalhando como caseiros de propriedades pertencentes a príncipes. Em 1911, o governo russo publicou um decreto ordenando que todos os judeus deixassem a região ou fossem deportados para a Sibéria. David Palatnik optou por mudar-se para Zion com toda a sua família. [...] Os recursos, porém, eram muito escassos, o que obrigou os quatro filhos a emigrar para o Brasil; e ali trabalhar para obter o sustento da família. [...] E todos eles fixaram-se em Natal, RN. Foram os primeiros judeus a viver na cidade. Naquele tempo, Natal era conhecida como a “Jerusalém do Brasil”. [...] Em Natal, eles estabeleceram várias empresas, tais como todo tipo de manufatura de móveis de escritório, ladrilhos e lajotas para casas e ruas, a usina de açúcar Utinga, cerâmicas, construção de casas, fazendas com variados tipos de cultivo etc. A partir de 1932, começaram a deixar a cidade. Tuvya estabeleceu-se em Israel e os outros três irmãos mudaram para o Rio de janeiro. (Fabiana Werneck Barcinski, 2004, Abraham Palatnik, p. 95).
 
Durante a II Grande Guerra Mundial Palatnik instala o seu primeiro ateliê de pintura e escultura e também estuda história, desenho e filosofia. Ao mesmo tempo consegue realizar um curso de quatro anos em Tel-Aviv, que na época pertencia a Palestina, trabalhando com máquinas, motores a explosão, carburadores e outros instrumentos eletromecânicos, permitindo ao artista o conhecimento necessário para revolucionar o modo de como veríamos a arte aqui no Brasil. No começo da sua carreira o estilo artístico escolhido por Abraham Palatnik foi o figurativismo ou arte figurativa, apesar de que, com o espanto depois da visita que ele fez ao Hospital Psiquiátrico, onde detalharei mais adiante, ele passou um tempo pintando abstrato com base na técnica construtiva. O figurativismo permite ao artista se inspirar nas coisas dadas pela natureza, o seu ato de produzir é influenciado pelo meio externo, tais como mesas, copos, jarros, vegetações, animais, o corpo humano, natureza morta, etc. 
 
Morando em Tel-Aviv, onde ficou até os anos 40, Palatnik retorna ao Brasil em 1948, residindo a partir daí na cidade do Rio de Janeiro. 
 
A citação no introito do texto de Jean Dubuffet (1901 – 1985), sobre a pintura, vai diametralmente se opor ao princípio que será adotado por Abraham Palatnik, apesar do despertar da sua clarividência que o permitiu antever um novo estilo para o mundo das artes, mesmo estando no seu subconsciente, quando mudou do figurativo para a arte cinética.  A frase, talvez, que melhor se adequa ao que ele protagonizará e será pioneiro com a sua arte inovadora e vanguardista é a de Jackson Pollock (1912 – 1956): “O pintor moderno não pode expressar seu tempo [...] nas velhas formas [...] do passado. Cada época encontra sua própria técnica”. E é isto, o artista trará para nós uma nova experiência no que se refere ao ato tão conhecido e milenar de colocar um painel de tecido, compensado, ou papelão no cavalete e fazer a nossa pintura fluir, adotando o estilo que iremos abraçar.  A arte agora, aquela que conhecemos, não desaparece e nem se sucumbirá jamais, mas terá que conviver com um novo estilo chamado de engenharia dos movimentos e das cores aperfeiçoados por Abraham Palatnik. 
 
Inusitadamente, depois que Palatnik realiza uma visita ao Hospital Psiquiátrico do Engenho de Dentro (Bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro), para conhecer as pinturas dos pacientes da dra. Nise da Silveira (1905 – 1999), ele fica maravilhado diante de tão expressivos trabalhos, que o faz mudar radicalmente sobre a arte que ele praticava. “Por mais que se sentisse confortável com seu conhecimento de pintura e arte, o que viu no ateliê do hospital foi arrebatador. ‘Meu castelo ruiu, fiquei absolutamente desestruturado’.
Decidiu abandonar a pintura naquele momento, porque o que vinha fazendo ‘era bem feito, mas de estímulos, era simplesmente representação. A gente vai reconhecendo as coisas, mas não criando’. E passou a frequentar todos os sábados o ateliê do Engenho de Dentro. (Fabiana Werneck Barcinski, 2004, Abraham Palatnik, p. 98). Isto muda radicalmente a vida de Abraham Palatnik. Apresentado ao crítico de arte Mário Pedrosa (1900 – 1981), que já conhecia o trabalho dos pacientes do Engenho de Dentro, e vendo os seus conflitos a partir da sua experiência com os artistas do hospital, Pedrosa o incentiva a abandonar os pinceis e o figurativismo e a testar outros “aspectos da forma”. Em 1949 Palatnik começa os seus trabalhos no campo da Luz e do movimento. A arte, aquela que conhecemos estática, parada, com a admiração que lhe é atribuída de acordo com o estilo abraçado pelo pintor, passa, então, nas mãos de Abraham Palatnik a ter movimentos e cores surpreendentes, originando o que ele denominou de Aparelho Cinecromático. É bem verdade que a arte abstrata andou por tantos caminhos que poderíamos atribuir, por exemplo, estudos e a prática do uso da luz na arte desde o Raionismo (1912), movimento criado por Natália Goncharova (1881 – 1962) e Mikhail Larionov (1881 – 1964), na Rússia, e que já utilizavam em suas pinturas feixes de luz associados a prismas e outros fenômenos luminescentes, no entanto, nada superou a  estética leve e ao mesmo tempo arrojada de Abraham Palatnik.
 
“Sua estreia no circuito de arte não poderia ser mais apropriada: seu primeiro Aparelho Cinecromático é incluído, à revelia, na I Bienal de São Paulo, em 1951. A Inclusão só foi feita depois de constatada a ausência da representação do Japão e com a condição explicita de não participar da premiação, já que não se adequava às categorias tradicionais – pintura, desenho, escultura. A Insistência de Mário Pedrosa para que o aparelho de Palatnik participasse da mostra deve ser sublinhada. O Seu apoio e aval foram determinantes, uma vez que aquela máquina de luzes e cores não se parecia com uma obra de arte. Mesmo inadequado, e talvez por isso mesmo, entrou para a história como pioneiro da arte cinética e da sua convergência com a tecnologia”. (Luiz Camilo Osorio, 2004, Abraham Palatnik, p. 49).
 
Em 1964, como evolução dos cinecromáticos, Palatnik cria os seus Objetos Cinéticos. O Aparelho Cinecromático é construído utilizando madeira, metal, tecido sintético, fios elétricos, cilindros, lâmpadas e motor. Pode se utilizar ainda cristais, e com o movimento das telas coloridas se tem o efeito esperado e contemplado pelos observadores diante da arte criada pelo artista. Já os Objetos Cinéticos rompem com a estática da arte, parecidos com os cinecromáticos, mas com aspectos tridimensionais,  a utilização de recursos são variados e vão desde tinta industrial, madeira, metal, motor sobre tela, fórmica, tinta acrílica, à óleo, cabo de velocímetro, circuitos elétricos, etc. propiciando aos observadores um fenômeno chamado na física de ação das forças na mudança de movimento dos corpos, ou em outras palavras, a cinética. 
 
Apesar do pioneirismo de Abraham Palatnik, há alguns artistas que também tiveram as suas artes cinéticas reconhecidas e premiadas, e foram vistas por centenas de pessoas no mundo das artes e fora dele, a citar: Jean Tinguely (1925 – 1991), com o seu La Bascule VII, de 1967 e o Tripé Metamecânico, de 1954; Yaacov Agam (1928 -), com a sua arte Salão Agam, de 1972; Julio Le Parc (1928 -), com o cinecromático Móbile contínuo e Luz Contínua, de 1963 e Hélio Oiticica (1937 – 1980), natural do Rio de Janeiro, com a sua cinética e tridimensional Grande Núcleo de 1960-66. Não poderia deixar de citar as obras de Palatnik, produzidas como numa linha de produção, ele as nominava como Objetos Cinéticos e Cinecromáticos, datando-os e enumerando os recursos utilizados, tais como:  Objeto Cinético K-6, 1966-2002, Objeto Cinético, 1990-92, Objeto Cinético, 1968-2000, Objeto Cinético C-4, 1968-2001, Energia e Mundo, 2002, dentre outros, e os cinecromáticos:  Sequência com Intervalos, 1954, Aparelho Cinecromático, 1955, com sequencia de visual de sete imagens, Aparelho Cinecromático, 1969/1986 e tantos outros que abrilhantaram diversas exposições em museus pelo mundo afora.
 
Finalizo escrevendo que Abraham Palatnik pelo seu pioneirismo e reconhecimento internacional, é um artista que os potiguares e brasileiros de modo geral precisam propalar, estudar e, se artista for, ou não, e tiver interesse, adotar o seu estilo artístico dos objetos cinéticos e cinecromáticos.  Afinal, trata-se de uma manifestação modernista e que vai além do nosso tempo, afinal, é um movimento, no sentido absoluto tanto do termo aplicado a arte, como da aplicação da física na estética da criação, de uma fantástica e admirada engenhosidade do homem que o insere com brilhantismo na lista de grandes gênios que compõem a nossa bela História da Arte. 
 
Fonte de Pesquisa:
OSORIO, Luiz Camilo – Abraham Palatnik – São Paulo, Cosac Naif, 2004 
 
Arte: artistas, obras, detalhes, temas: 1945-1960 / [Dorling Kindersley]. – São Paulo: Publifolha, 2012, p.80

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