Wellington Duarte

Professor, economista, Cientista Politica, comunista, headbanger, flamenguista, americano e apreciador de Jack Daniels

11/09/2024 05h00

Brasil: quem caminha ao lado do Homem Torto?

O Homem Torto é uma assombração. Uma lenda. Um personagem sombrio e apavorante. Quem tocasse a música do Homem Torto, receberia a visita mortal e ele o mataria, retorcendo seu corpo. Assustador né?

Mas, vou tomar a liberdade de trazer essa assombração para o Brasil. Não na forma da lenda inglesa ou ianque, mas como uma manifestação da deformação social que esse país mergulhou desde junho de 2013, quando milhares de jovens saíram às ruas, primeiro como um movimento quase (eu disse quase!), para expressar sua raiva com relação ao transporte urbano que, ao meu ver, é uma questão nacional, com especificidades de cada cidade, mas que tem uma lógica única : atanazar a vida do trabalhador e da trabalhadora.

De 2013 para cá, aqueles jovens (não todos!) se tornaram adultos. Perdão: muitos desses adultos ainda “se acham” adolescentes birrentos e “politicamente corretos”. E aí começa minha adaptação do Homem Torto ao Brasil.

O Homem Torto só aparece, de forma mortal, quando sua música é cantada. No nosso caso, e não foi de uma vez, o hino nacional foi sendo apropriado por um segmento da população, mergulhado no sombrio mundo do individualismo quase niilista, que resgatou o “patriotismo”, sem que se saiba, até hoje, que raio de patriotismo é esse, e o transformou em “hino patriótico”. E esse hino nacional, cantado cada vez mais nas manifestações patrióticas, trouxe o nosso Homem Torto, uma figura grotesca, que espalhou o ódio ao “sistema” e prometeu “varrer do mapa”, a “petralhada”, que ele considera “comunista”.

O Homem Torto, que vivia à margem da sociedade, deambulando nas galerias da Câmara dos Deputados, esquecido e deixado de lado pelos outros que o consideravam ridículo e patético, absorveu a descrença com a política; fortaleceu-se pela ignorância, cada vez presente com a disseminação das redes sociais. Deixou de ser uma figura minúscula, uma espécie de Cavaleiro da Triste Figura, só que babando ódio e desprezo pela sociedade que o tolerava.

O Homem Torto conseguiu o que parecia ser improvável, pelo menos num país que se jactava de ser um lugar de “pessoas boas, festeiras e acolhedoras”, que é outra lenda, na verdade, para ser um lugar de “pessoas do bem”, veneradoras do Homem Torto, e aqui o “Torto” é um sentido figurado, posto que ele, de fato, entortou a sociedade brasileira, deformando-a e espalhando, em todas as camadas, seus pequenos “homens tortos”.

Esses “homens e mulheres tortos e tortas”, chamados pelo “hino patriótico”, se transformaram em figuras patéticas, sombrias, violentas, odiosas e que vagueiam como figuras sorumbáticas, puxando a civilização para trás e tornando a vida das pessoas amarga. O Homem Torto, o Boca Podre, ladrão de joias, o instrumento da Morte (lembram da Covid?), puxa-saco dos EUA, cristalizou sua presença nessas camadas, que tem ricos e pobres, negros e negras, cis e não cis, bandidos e pessoas honestas, religiosos e não religiosos, ou seja, o Homem Torto entortou a própria essência do conceito de civilização.

Não somos o futuro, pois desde 2013, começamos uma longa trajetória para o futuro do pretérito, onde o convívio com a incerteza, surpresa, indignação, horror, tristeza se tornaram mais comum. Racismo, misoginia, feminicídio, assédio sexual e moral e tantas outras torpezas da humanidade, que nunca deixaram de existir, diga-se de passagem, formam o núcleo do pensamento sombrio dessa malta que caminha ao lado do Homem Torto.

Já tivemos um renascimento cultural no Iluminismo que, na essência, queria um mundo melhor; saudamos a Belle Époque, com seu cosmopolitismo; fomos esbofeteados pela Guerra de 1914, que nos apresentou aos horrores da modernidade; sucumbimos ao nazismo e fascismo, em sua sanha aterradora de construir um mundo pautado pelo olhar torto de um pequeno austríaco; atravessamos um grande período de Bem-Estar social, no capitalismo, num mundo bipolar, atormentado pela possibilidade de uma guerra nuclear; vivemos o fim de uma experiência socialista e a “vitória da civilização”, com o “fim da história”; e após três décadas, o que temos?

Temos muitos “Homens Tortos” espalhados pelo mundo e, no Brasil, nosso Homem Torto e os seus acólitos estão minando nossa estrutura social. Estamos reproduzindo uma forma de coexistência social esquizofrênica e só um “banho de civilização” conterá essas milacrias políticas.


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