Daniel Costa

Advogado. Assessor no Tribunal de Contas. Doutor e mestre em ciências sociais pela UFRN.

04/12/2024 08h47
ELES AINDA ESTÃO AQUI
 
 
Depois das notícias sobre a tentativa de golpe de Estado e com o silêncio de boa parte da população, é  preciso perguntar: por que pessoas minimamente esclarecidas resolvem ficar caladas diante de tamanha afronta à democracia?
 
As provas sobre o plano para o assassinato do presidente eleito, do seu vice e de um ministro do Supremo Tribunal Federal são acachapantes. A história toda é digna de um filme de Costa-Gavras, de maneira  que  ver parte da sociedade se omitir nessas horas é quase surreal, já  que  o silêncio,  ou a relativização dos fatos, não é outra coisa senão a concordância  tácita com a tentativa de golpe.
 
Não é  o movimento dos políticos vinculados ao ex-presidente, conjecturando teorias conspiratórias, que incomoda. Esses têm interesses próprios e fazem qualquer coisa pela permanência no poder. Acreditam na doutrina da terra plana, na existência de um estratagema comunista que avança para dominar o mundo, além de outras bobagens do gênero. Ou seja, desse pessoal que lucra votos com a explosão de caminhões não se espera nada de  diferente.
 
O que escandaliza - e  talvez aí  exista certa dose de ingenuidade - é  a passividade dos indivíduos escolarizados, que compõem  a classe média  e a classe média alta. Esse grupo é capaz de compreender o conteúdo  do filme "Ainda estou aqui"  de Walter Salles, ou de saber que o Monumental de Núñez, estádio onde o Botafogo acabou de levantar o caneco da Libertadores, serviu de palco para a aparição do ditador Rafael Videla, na tribuna de honra, durante a final da Copa de 78. Isso enquanto  a poucas quadras dali funcionava a Escola de Mecânica da Marinha, maior prisão  clandestina da ditadura argentina, de onde presos políticos partiam para os “voos da morte” sendo drogados e jogados no Rio da Prata.
 
Diante de tudo o que já  se sabe sobre o quão aterrador foi o período ditatorial aqui e alhures, por qual razão o silêncio de parcela significativa da população? Ou, o que é  pior, por que colocam panos quentes e  não exigem o processamento dos envolvidos?
 
A verdade sem roupa é que até agora, dessas pessoas, no máximo, só  se veem palavras pouco convincentes, ora tentando equiparar os lideres de ideologias diversas, ora utilizando subterfúgios retóricos, como alegar uma suposta parcialidade de Alexandre de Moraes - como se isso se sobrepusesse à concreta tentativa de assassiná-lo.
 
Daí que a única  coisa que consigo concluir é  que eles ainda estão aqui: os amantes dos regimes de força e aqueles que aceitam tudo calados, mesmo que outras pessoas possam ser perseguidas, emudecidas e assassinadas. 
 
Se a história ensina algo, é que o silêncio não é neutro. E hoje, o silêncio é um perigo que não se pode ignorar.

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