Fernando Luiz

Cantor, compositor, escritor e produtor cultural. Formado em Gestão Pública, apresenta programa Talento Potiguar, aos sábados, às 8:30 na TV Ponta Negra, afiliada do SBT no RN.

22/12/2024 05h29
UM GÊNIO DA PRODUÇÃO MUSICAL NO BRASIL
 
Ele sonhava em ser cantor e decidiu viajar para o Rio de Janeiro em busca do seu sonho. Seria um fato normal, a não ser por dois detalhes: ele era menor de idade (16 anos) e não viajaria sozinho: ia com dois amigos. Não bastasse o fato de estar fugindo de casa sem o consentimento da sua família, iria viajar de Belém para a cidade maravilhosa com seus amigos clandestinamente em um navio de carga. Um pouco antes da partida, os amigos desistiram, mas ele seguiu em frente. No Rio, se hospedou na casa de uma tia, mas dois meses depois, quando sua tia descobriu que a família não sabia da fuga, ele teve que voltar para o Pará.
 
Em 1963, ele criou uma banda e, durante uma festa, ainda alimentando o sonho de se tornar um “astro” (como gostava de ser chamados pelos amigos), conheceu Marcelle, natural da cidade de Macaíba, que seria o grande amor da sua vida. Dois anos depois, como tantos brasileiros, foi atraído pelo american dream e partiu para os Estados Unidos. Viajou sozinho e logo depois Marcelle seguiu ao seu encontro em Newark, Nova Jersey. Casaram-se e juntos iniciaram uma dura caminhada pela sobrevivência, enfrentando e superando dificuldades.
 
Nos Estados Unidos, o paraense não mediu esforços para trabalhar e construir um futuro melhor para ele e sua esposa. Formou-se em Processamento de Dados e foi um dos primeiros brasileiros a trabalhar em um banco nos Estados Unidos. Entretanto, aconteceu algo inesperado: um dia, ao chegar em casa, encontrou um documento convocando-o para a Guerra do Vietnã. No dia seguinte, ao invés de se alistar, pegou o primeiro voo para o Brasil, abandonando o sonho americano e tudo o que já tinha construído com sua mulher.
 
De volta ao Brasil, sua luta na música continuou, até que em 1974, morando no Rio de Ja-neiro, Alípio Martins conseguiu seu primeiro sucesso com a música Piranha. A canção era uma mescla envolvente de ritmos latinos como o carimbó, cuja letra tinha elementos sutis de duplo sen-tido: “Piranha / É um peixe voraz / De São Francisco / Não! Perdão/ Rio São Francisco / Não, não! / Perdão Amazonas, nosso grande rio Amazonas... / O diabo que carregue / Quem disser que não é! / Piranha! / É o nome de  um peixe / Juro que é! / Eu não tocaria um violão / Nem faria uma can-ção /Para um peixe qualquer!
 
  A letra e a melodia da música, de autoria do próprio Alípio, foram feitas inspiradas no trabalho de Pinduca, também paraense, de quem Alípio era amigo e fã. Infelizmente, esse sucesso durou pouco. De volta para Belém, Alípio Martins não desistiu: continuou compondo, batalhando e pesquisando, até que em meados dos anos 80...
 
A Guiana Francesa faz fronteira com o estado do Amapá e sua música, é rica, repleta de estilos musicais, o que chamou a atenção do paraense Carlos Santos, radialista, cantor e empresário, fundador da Gravason. A gravadora de Carlos Santos começou a lançar discos de cantores regionais e distribuir no Brasil discos produzidos na Guiana Francesa. Carlos Santos era um visionário; começou do nada e aos poucos se tornou um grande empresário: além da gravadora, nos anos 80 ele tinha uma rádio, uma distribuidora para colocar os discos da Gravason nas lojas e uma rede de lojas para vender os discos. Na base da produção dos lançamentos da sua gravadora existiam vários produtores, entre os quais Pinduca, Manoel Cordeiro e... Alípio Martins.  
 
Pesquisador de estilos musicais – inclusive músicas internacionais – Alípio, em 1980 fez uma versão da música Jamais Voirça, uma das mais executadas na Guiana francesa. A versão feita por Alípio, Quero Você, gravada por Carlos Santos, foi uma das músicas mais executadas em todas as emissoras no Norte e Nordeste e posteriormente se propagou pelo Brasil. Foi então que as portas do sucesso  se abriram para o “ex-passageiro clandestino” e a partir daí veio o reconheci-mento: ele passou a produzir a maioria dos discos da Gravason, seu talento chamou a atenção das principais gravadoras do país e ele foi contratado pela gravadora Continental, onde gravou seu pri-meiro LP de sucesso, com várias faixas sendo executadas em emissoras de todo o país, como Garota e Vem Me Amar. Nos anos seguintes fez grande sucesso com outras músicas: Lá Vai Ele, Onde Andará Você, Pra Mim Você Morreu, Decisão e Os Presidenciáveis.  Durante sua carreira, Alípio Martins ganhou 12 discos de ouro, 8 de platina, 1 de platina duplo, além de 5 discos de ou-ro por produções, com vendas de discos, CDs e fitas totalizando quase 5 milhões de unidades.
 
 Além de Carlos Santos, Alípio Martins produziu discos de vários artistas: José Orlando, Carlos André. Frankito Lopes, Magno e muitos outros. Eu mesmo tive a honra de ter os meus dois primeiros discos produzidos por ele, inclusive o Volume 1, que tem a música Garotinha. 
 
Ele foi o único artista brasileiro que “estourou” simultaneamente como cantor, compositor e produtor musical.
 
Alípio Martins morreu no dia 24 de março de 1997, vítima de um câncer de estômago, aos 52 anos. Pra mim, ele foi um dos verdadeiros gênios da produção musical do Brasil.
 
Instagram: @fernandoluizcantor
 

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