Kalina Paiva

Natural de Natal/RN, é professora e pesquisadora do IFRN, autora de poesia e contos de terror.

14/02/2025 09h26

Cólicas, sonho e Slipknot

Quinta-feira, uma cólica infernal velou a minha noite, não me deixando dormir até umas 4 da manhã. Quando finalmente um tramal desatou as minhas dores e descontorceu o meu abdômen, apaguei, experimentando o sono dos justos.

Já nos braços de Morfeu, descansei e comecei a sonhar. No sonho, não havia problemas climáticos, disputa na corrida pela IA, guerra na Ucrânia, Tecnofeudalismo, muito menos polarização e xenofobia. Só Sangue Latino de Ney Matogrosso tocando, enquanto eu encolhia, atravessava uma porta e entrava numa floresta da América Latina para, em seguida, sobrevoá-la. Exatamente, na cidade Vila de Serra do Navio, um patrimônio histórico nacional. Além de ter me tornado um ser híbrido - eu tinha asas! – estava transgredindo as leis da natureza e da física, subindo aos céus e mergulhando num lago, respirando embaixo d´água. Alok aparecia no sonho, tocando com os povos originários e reflorestando umas áreas desmatadas. Voei novamente em plena liberdade até... ser acordada pelo despertador às 6h da manhã tocando Toxicity de Slipknot – que me perdoem os fãs da banda, inclusive o meu filho – berrando em meus ouvidos:

Disorder, disorder, disooooooooooooooordeeeeeeeeer...

O verso veio acompanhado pelo metal, rasgando a manhã e me fazendo saltar da cama. Eu, no quarto; o aparelho, na sala. Dez passos até mirar o celular com um ódio espartano. Olhei para o A50 sul-coreano com o pensamento de arremessá-lo na parede. Voo por voo, eu fui retirada de um lugar “entre o silêncio sagrado e o sono” (como diz um dos versos da canção do Slipknot) para o mundo real da desordem, desordem, desoooooordeeeeem e do caos. No mundo dos adultos, um sono tranquilo vale mais que ouro, nióbio ou petróleo, ainda mais acordando numa sexta-feira já com cara de final de semana.

Dei para trás, quando lembrei que sou a mãe da criança e não a criança. Num lampejo de racionalidade, pensei: “Vou trocar esse toque do despertador por... PELAS TABELAS, música de Chico Buarque na doce voz de Roberta Sá.” Eu gosto de rock, mas não como despertador.

Foi então que abri as configurações e me deparei com os seguintes alarmes cadastrados, ativados e nomeados pelo meu filho de 11 anos:

06h – Acorda.

06h30 – Vai, ACORDA logo!

07h – ACORDA, MEU NOBRE!

07h20 - Mãe, acorda esse bicho que está na cama.

A medida que eu ia desligando os alarmes, os outros dois irmãos levantaram, perguntando o que estava acontecendo. Todos na casa acordaram, exceto ele, o autor dos alarmes. Minhas cólicas voltaram ao som de Pelas Tabelas.

 

Kalina Paiva

Natural de Natal/RN, é professora e pesquisadora do IFRN, autora de poesia e contos de terror.

 

 


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