Kalina Paiva

Natural de Natal/RN, é professora e pesquisadora do IFRN, autora de poesia e contos de terror.

12/08/2024 12h25
Saída de emergência
 
O pódio é uma espécie de Olimpo dos humanos, um lugar reservado aos deuses-atletas que apresentam proezas físicas na temporada da vez. Na edição de 2024, alguns medalhistas olímpicos receberam prata e/ou bronze, sentindo dentro de si a alegria da conquista junto com a dor de uma lesão. É bem verdade que o ouro no pódio confere status máximo, porém o texto de hoje é sobre os que chegaram perto do vil metal, mas foram parados pelo corpo/mente no limite da exaustão, ou pela força da natureza.
 
Afinal, qual o momento de parar, quando estamos em uma prova? A melhor resposta vem da edição anterior. Em 2020, Simone Biles desistiu da Olimpíada de Tóquio para preservar sua saúde mental, devido a um problema que percebeu. Estávamos atravessando uma pandemia, sob um contexto de pressão, estresse e ansiedade, fatores que favorecem os twisties, panes mentais que comprometem o desempenho físico de ginastas em manobras arriscadas. Quando isso ocorre, o corpo faz uma coisa e a mente, outra. No documentário “O retorno de Simone Biles”, a norte-americana relata o que passou, não deixando de mencionar o drama com os haters e jornais que esbravejaram sobre a sua decisão, minimizando a importância da saúde mental da ginasta. (Só dói quando virem o sangue escorrendo?) Em Tóquio, ela mostrou a hora de recuar; já em Paris, ensinou sobre a hora de dar a volta por cima.
 
Créditos: Freepik
 
Às vezes, precisamos de pausas para poupar o nosso corpo e a nossa mente. Recomeços não são imediatos, requerem pausas, reflexões, treinos e novas ações. Só assim mudamos a rota para encontrarmos novos caminhos. A atleta olímpica deixa um ensinamento para a vida: não podemos esperar a exaustão chegar e o corpo colapsar para darmos um intervalo. O colapso pode nos custar a vida.
 
Essa pausa necessária tem algo curioso: nosso entorno está sempre em movimento. Quero dizer que, quando somos pegos de surpresa como os reveses da vida, ela não espera a gente se curar em um lugar totalmente tranquilo, de completo recolhimento. É semelhante ao guitarrista B. B. King cuja corda da guitarra partiu ao vivo e, enquanto continuou cantando, trocou, afinou, prosseguindo com o show. Tudo isso é só para dizer que mar calmo não faz bom marinheiro. Que o diga Medina com uma situação para além do seu controle.
 
Naquele ensolarado 05 de agosto de 2024, ele acordou sem saber o que o esperava: um mar sem ondas em Teahupoo, pior coisa que pode acontecer a um surfista. Perdeu, mas deixou um ensinamento para a vida: “Esse mar já me deu muita alegria. Faz parte, a gente tem que saber lidar com o mar.” - disse ele, enquanto contemplava a calmaria, já se preparando para disputar o bronze.
 
Lógico que é fácil reunirmos uma torcida, quando estamos no pódio. A questão crucial: e quando o mar não tiver ondas? Quem estará com você, quando a medalha não vier; quando precisar dar uma pausa; quando a fragilidade estiver à sua porta? A casa da festa é sempre lotada; já a do luto, nem tanto. Até fazermos do luto um verbo, reavaliamos nossa postura no meio do caminho, com ou sem pedras, não é, Drummond?
 
Nessas horas, eu recordo o personagem kafkiano Gregor Samsa que, após acordar metamorfoseado em um inseto, foi relegado a viver dentro do quarto como um estorvo social. Ele que tantas vezes sustentou os pais e a irmã com a profissão de caixeiro-viajante, naquele momento da vida se encontrava imóvel e sequer era compreendido por eles. Onde residia o seu valor então? Só somos humanos, quando produtivos i-n-i-n-t-e-r-r-u-p-t-a-m-e-n-t-e? Se paro, eu me metamorfoseio em um inseto? Onde fica o nosso valor nos momentos em que necessitamos de pausas?
 
Lembrei de um post no Instagram do @elasfeministas que dizia: “Desejo que você esteja cercada de mulheres que comemorem, enquanto você estiver no pódio. E isso não é sobre as Olimpíadas.” Honestamente, faço um acréscimo: “que você encontre colo e compreensão, quando precisar se curar e descansar, abrindo mão do ouro no pódio.” Até porque a vida é imprevisível e curta. Para vivê-la plenamente é necessário fazermos um pacto com as possíveis saídas de emergência, necessárias e vitais. A renúncia é uma delas. Se observarmos direitinho, o nosso corpo sinaliza nitidamente a hora propícia para sairmos de cena e a de regressarmos para entrarmos no páreo. Que sejamos menos deuses e mais humanos.
 
 
Kalina Paiva
Natural de Natal/RN, é professora e pesquisadora do IFRN, autora de poesia e contos de terror.
 

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