Kalina Paiva

Natural de Natal/RN, é professora e pesquisadora do IFRN, autora de poesia e contos de terror.

Sobre Cientistas e Lobos

11/04/2025 09h01

Na série de fantasia Game of Thrones, os lobos-terríveis (Aenocyon dirus) são animais temidos. É o personagem Eddark Stark e seus filhos que encontram uma loba-terrível morta, na neve, debaixo da qual há uma ninhada ameaçada de morte por hipotermia. Inicialmente, numa atitude piedosa, o patriarca tenta sacrificar os cinco filhotes órfãos, contudo Snow, seu filho bastardo, o convence do contrário, alegando que aquele pequeno clã de lobos simboliza a família. Mais tarde, Snow encontra um sexto lobo, albino. Assim, cada um dos seis filhos do cavaleiro recebe um filhote. Desse encontro com a espécie rara, surge a representação da cabeça do lobo-terrível como símbolo do clã dos Stark, grupo que possui o domínio do reino nortista da saga, em torno do Castelo de Winterfell.

 

Saindo da ficção para a realidade, esses animais existiram há 10 mil anos, sendo extintos na Última Era do Gelo. Foram uma espécie de lobo das Américas durante o período do Pleistoceno Superior e o Holoceno Inicial (entre 125 mil e 10 mil anos atrás). Maiores e mais robustos que os lobos cinzentos, tinham as mandíbulas adaptadas para caçar animais de grande porte, como mastodontes, bisões antigos e cavalos pré-históricos. Desapareceram do mapa por dois motivos: extinção das suas presas e mudanças climáticas, inviabilizando sua permanência em condições hostis à sobrevivência da espécie. A seleção natural é implacável.

 

Três dias atrás, contudo, o mundo viu a Colossal Biosciences, uma start up de biotecnologia com sede em Dallas, nos Estados Unidos, anunciar a recriação dessa espécie extinta. Eles são fofos, de pelagem branca, olhos de um azul-acinzentado. Não por acaso receberam nomes de personagens míticos: Rômulo, Remo e Khaleesi – os dois lobinhos carregam os nomes dos gêmeos lendários fundadores de Roma, alimentados por uma loba; a lobinha foi batizada com o nome da personagem de George R. R. Martin, princesa de Game of Thrones.

 

Há pesquisadores que se opõem à ideia de que a empresa trouxe de volta do mundo dos mortos os lobos-terríveis. Isso porque o DNA foi extraído de um dente de 13 mil anos e de um crânio de 72 mil anos atrás pertencentes à espécie, servindo de comparação para o experimento com os lobos cinzentos (parente mais próximo dos lobos-terríveis) até obterem uma semelhança entre os genes destes com o da espécie extinta. Segundo os pesquisadores críticos, tal situação leva a pensar que esta é uma espécie híbrida, isto é, três lobos-cinzentos com características do lobo-terrível.

 

Os pesquisadores da Colossal Biosciences explicaram que o DNA pertencente aos lobos-terríveis não foi inserido no genoma do lobo cinzento, mas sim usado como modelo a ser replicado. A empresa fez 20 edições dos genes, comparando aspectos no que as amostras eram iguais e no que eram diferentes até que o DNA do lobo-cinzento ficasse de acordo com o do lobo-terrível. A seguir, transferiram o núcleo da célula para um óvulo, cultivado e implantado no útero de uma cachorra doméstica.

 

Enquanto a onda de defesas e contestações no mundo científico acontece, a empresa já anunciou que redefinirá a extinção de mais três espécies, o mamute-lanoso, o tigre-da-tasmânia e o dodô. Até acontecerem novas ações do projeto, o atual experimento segue causando um sentimento ambíguo na humanidade entre o maravilhamento do retorno de uma espécie extinta e a preocupação com as implicações desse retorno ao ecossistema, impactando-o e implicitamente fazendo pensar sobre os limites éticos da ciência.

 

Nas redes, os memes trazem um questionamento em forma de humor que, por hora, vem bem a calhar: afinal, teremos um Parque dos Dinossauros? 


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