Bia Crispim

17/04/2020 09h11
 
Por que a sigla LGBTQIA+ tem tantas letras?
 
 
Como já aponta os estudos linguísticos, o que não é nomeado é invisível. Isso significa dizer que nomear é dar o status de notório, é dar visibilidade, é conceituar um ser. E para que isso é necessário? Para que possamos tomar esse ser referência para o discurso, para que saibamos falar dele, para que possamos identificá-lo, quando necessário. Só é possível desenvolver políticas públicas, por exemplo, para certos grupos sociais (nos dividimos em agrupamentos sociais, sim) se soubermos para quem elas estão sendo implementadas. Nomear é necessário.
 
No universo da sexualidade humana, apesar de até hoje muita gente berrar que só existe homem ou mulher, por relacionar genitália (sexo anatômico) à identidade de gênero, há uma gama indiscutível e incontável de manifestações do ser diante de sua construção e suas práticas sócio-sexuais. Foucault (2015) afira que o ser humano desenvolve “sexualidades múltiplas”, apontando para o fato de possuímos uma diversidade de auto entendimentos, de auto compreensões e de performances no campo da sexualidade que vai muito além do binarismo e do heterossexista comportamento “homem” e “mulher”. 
 
Permitir que essa multiplicidade se apresente à sociedade de forma naturalizada (pois é assim que deve ser vista) é tomada como uma ameaça a comportamentos engessados e ao controle que se tem sobre as pessoas, seus corpos e seus desejos. Quem não consegue imaginar a vida como uma experiência sem limites no campo da sexualidade vê o diferente como defeito, desvio ou algo errado. Permitir-se conhecer enquanto “máquina desejante” como diz Deleuze (2014) é permitir-se viver fora de uma padronização que nos aprisiona enquanto seres livres.
 
Então, por que quando falamos da comunidade onde cabem esses seres humanos “defeituosos”, “desviados” e “errados” (como são chamados por aqueles que carregam modelos tradicionais de vida e pensamento), usamos tantas letras? Porque somos múltiplos. 
 
Podemos ser gays, lésbicas, travestis, cisgêneros, trangêneros, crossdressers, não binários, machos, fêmeas, heterossexuais, homossexuais, bissexuais, intersexuais, assexuados, enfim, como nos definimos, o uso que fazemos dos nossos corpos, as performances sexuais a que nos aventuramos, as maneiras como nos identificamos e nos apresentamos à sociedade nos multiplica enquanto agentes de uma sociedade curiosa, que evolui, que se transforma, que interage em múltiplas facetas do mesmo ser. O ser humano.
 
Dessa maneira a sigla que lá nos anos 80 era designada de GLS (Gays, Lésbicas e Simpatizantes), foi dando espaço a todas essas outras manifestações das “sexualidades múltiplas” defendidas por Foucault. Foi acolhendo todos os “defeituosos” “desviados” e “errados”, todos aqueles que se sentiam aprisionados nos modelos de ser homem e mulher na sociedade tradicionalista, e assim, todxs juntxs, nomeadxs mostramos força, gritamos por direitos, nos fizermos notar enquanto GRANDE COMUNIDADE. Nos referenciamos dentro do discurso social.
 
LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transvestigêneros, Queers, Interssex, Assexuados e + quem se agregar por não ser padrão) não é uma sigla, é um nome dado aqueles que lutam para existir. Para aqueles que resistem todos os dias. Para aqueles que insistem e lutam por respeito, direito e dignidade.
 
- “Por que tantas letras?” - Perguntou-me um amigo um dia desses. 
- “Não seria melhor usar uma sigla que definisse todxs nós enquanto seres humanos?” – continuou
Ao que eu perguntei: - “E qual seria?” 
- “PL”, disse ele, “ de Pessoas Livres”
 
Que sejamos, pois, livres para sermos o que quisermos.

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