Bia Crispim

07/04/2023 11h13

 

Paparazzi

 

Há algum tempo, poucos anos antes da pandemia, iniciou-se em mim um processo inesperado, até certo ponto, estranho e antônimo à pessoa socialmente ativa, animada e festeira que costumo (costumava!?) ser.

Um processo que vem me transformando em uma mulher reclusa, casmurra, isolada, e que tem feito eu sair o mínimo possível, com uma certa apreensão quanto às pessoas que encontrarei nos poucos eventos que me dou a chance de ir. Isso tem feito eu interagir menos com outras pessoas, deixando-me os ambientes de trabalho ou de formação como únicos espaços de socialização.

Porém desde o início desse ano tenho tentado dizer menos “nãos” aos convites que recebo e aceitando ir à pracinha cheia de barzinhos e lanchonetes da cidade onde moro, a bares populares que oferecem boa comida e uma cervejinha gelada, à festa de rua animadíssima do padroeiro...

Infelizmente, as experiências que tenho tido não estão sendo de um todo satisfatório. Apesar de adorar as companhias com quem me encontro nesses instantes tão raros, de gostar muito dos brindes e de provar da deliciosa culinária local, enfrento situações que me desanimam e até certo ponto, me constrangem ou me fazem chegar em casa arrependida de ter saído.

Um desses episódios ocorreu na última quarta-feira. Colegas de trabalho me convidaram para ir em um barzinho badalado para tomarmos uma cerveja e desopilarmos um pouco. Aceitei de imediato, estava animada pra sair, conversar, rir, beber, petiscar, paquerar... Mas... Eis que pouco tempo depois, vejo uma mulher em uma mesa próxima fazendo malabarismos para me fotografar sem eu perceber... (Trabalho à toa. Eu percebi)

Contei pra uma das minhas amigas, mas, nesse momento, já estava chateada e desanimada. Uns 10 minutos depois, flagro outro paparazzo (singular de paparazzi) fazendo exatamente os mesmos malabarismos para fazer uma foto minha. Fechei a cara, me irritei, minhas amigas perceberam e falei para todas o que estava ocorrendo. Foi quando uma delas disse, o cara da mesa de frente acabou de fazer o mesmo.

Propuseram-me que eu trocasse de lugar, mas de que isso adiantaria!? Já haviam me fotografado.

Alguém pode estar se questionando: “Qual é o problema de ser fotografada!?” Todo! Principalmente quando, quem está fazendo isso são pessoas desconhecidas. Quando são pessoas que depois de fotografar, parecem estar fazendo uma exposição em redes sociais de sua foto, com ar de deboche, de sacanagem ou de ódio.

Todo! Quando você é uma mulher Trans/Travesti vivendo em país que acha que sua identidade é uma aberração, uma fantasia ou um enorme problema, uma imensa afronta caso estejamos interagindo em atividades sociais comuns a todas as outras pessoas.

Já era madrugada quando voltamos todas para casa, felizes pelo encontro, pela bebida, com vontade, inclusive de prolongar um pouco mais a farra, mas infelizmente não encontramos nem um posto de gasolina aberto onde pudéssemos comprar umas tantas latinhas de cerveja e consolidarmos essa noite.

O problema é que, em casa, sozinha, gatilhos muitos se dispararam. Só consegui adormecer ao clarear do dia. E até agora esses gatilhos continuam disparando projéteis negativos no meu estado emocional e psicológico.

Pra que e por que os paparazzi me fotografaram: Pra sentir prazer com minha imagem quando estiverem sozinhos com ela? Pra fazer piada e debochar da minha existência em suas redes sociais? Ou pra me tornar alvo de todo o ódio que algumas pessoas nutrem cotidianamente contra pessoas Trans como eu?

A reclusão tem sido minha boia de salvação!

*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).


*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).