Bia Crispim

23/06/2023 09h20

 

“Com quais palavras você se despe?”

 

Esse questionamento me veio quando li um poema de Viviane Mosé. Ele me provocou de uma maneira tal, que não tenho como mensurar. Estou ruminando-a. Mastigo-a, engulo-a, regurgito-a, volto a mastigá-la, engulo-a de novo... E nesses movimentos ainda não encontrei resposta.

Ainda não sei dizer se as palavras me despem ou me vestem, ou fazem as duas coisas e eu nunca parei pra pensar nisso. Ou será que elas fazem mais que isso?

Já pensei em palavras me atravessando, já pensei em o quanto elas me atingem, o quanto elas me avessam, e o quanto elas se materializam e me fazem existir e resistir nesse mundo.

Já falei de palavras como coisas que eu vomitava; como peças de Lego que nem sempre encontra encaixe; como coisas plásticas e palpáveis capazes de assumir seus significados.

Em uma roda de conversa em que participei juntamente com as autoras Graça Graúna, Indyane França e um público seleto, ocorrida na Biblioteca do SESC-Rio Branco/Natal, falei de um poema de Quintana em que ele cita “palavras SUMARENTAS”.

“Eu sonho com um poema

Cujas palavras sumarentas escorram

Como a polpa de um fruto maduro em tua boca,

Um poema que te mate de amor

Antes mesmo que tu lhe saibas o misterioso sentido,

Basta provares o seu gosto.”

É isso que diz o poeta!

Essa palavra escorre quando a uso. Ela é mole, aquosa, molhada e fresca. Eu me derreto ao usá-la. Mas pensar em palavras me despindo.... Confesso que nesse instante, nesse momento em que escrevo é que tomo consciência que as palavras me deixam nua.

Muitas pessoas que me leem, me desnudam lendo o que escrevo. Sim! Minhas palavras me deixam completamente nua. Estou despida há tempos e me dispo novamente agora.

Porém, essas mesmas palavras que me despem, me vestem, porque me apresentam, porque me colocam no mundo, porque me tornam viva, pulsante e palpável. As palavras me fazem existir... Despida ou vestida, armada ou desarmada, poderosa ou fragilizada, empoderada ou vulnerabilizada...

Ah, benditas palavras!!! Quanto de mim vocês são? Ou quanto de vocês eu sou? Vislumbro uma simbiose, um processo em que tentar desassociar seria permitir que morrêssemos... (Será?!)

Que besteira eu falei!!! Morrêssemos?! Jamais!

Quando meu corpo se desfizer em pó, vocês me manterão viva, vocês se manterão vivas, vivas e sumarentas, permitindo que minha voz/escrita (eu escrevo falando) me dispa diante de outros olhos, de olhos futuros que me verão nua, completamente despida, entre linhas, entre a suculência, a delícia, a pulsação e a textura de cada palavra.

Entre vida e morte... Entre gozo e dor... Entre crítica e elogio... Entre sensações e apatia... Entre deuses e monstros... Entre realidade e ficção... Eu estarei lá... existindo e resistindo!

Será que encontrei resposta para o que questionou Mosé? Imagino que não. Então eu vou continuar ruminando... Ruminando e escrevendo.

*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).


*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).