Bia Crispim

26/05/2023 06h28

 

Ai, se todo gay fosse “bixa”

 

A “bixa” afeminada, poc, pintosa, monaaaaa está em extinção. Será!?

As gays, que não querem mais ser chamadas de ‘as’, mas ‘os’ gays, agora são “Barbies” bombadas barbudas, lotando academias, machudas e discretas (sonha, Alice!) – No espaço privê, ou em caso de aparição de baratas, as penas voam. Ai, que susto!

Que pena! Se toda gay fosse “bixa” (ou voltasse a ser) talvez a masculinidade tóxica que atravessa nossa sociedade de várias formas tivesse atingido a comunidade LGBTQIAPN+ com menos furor.

Deixando o deboche de lado, venho pensando bastante na questão de como a masculinidade parece contaminar um pouco mais, a cada dia, o universo rainbow de unicórnios e fadas. As barbas e as bombas, as dietas e exercícios estão produzindo um exército de gays padrões que invadem as academias, os clubes de ginástica, as casas noturnas e um ideário do que é ser gay.

Não estou criticando quem encontrou nesse modelo estético e de comportamento seu lugar no mundo. Longe disso! Mas acho pertinente pensarmos em como esse estereótipo mais masculinizado acaba afetando a comunidade LGBTQIAPN+ de várias formas.

A “bixa” passa a sofrer ainda mais preconceito, porque passa a conviver com isso dentro daquilo que ela chama de comunidade. Ela continua sendo escondida e descartada nos apps de encontros, ela continua sendo ridicularizada nos espaços sociais, ou seja, se perpetua a ideia de que ser gay pode, mas precisa ser discreto. Hein?! Você acha que um monte de homem hétero assistindo a jogos de futebol em um bar são discretos?

E porque as gays precisam ser? Porque que o estigma do feminino se torna tão ameaçador à imagem ‘da gay’ que tem que ser ‘o gay’, pra não ser confundida ou chamada de “bixa”? Veem, é para isso que chamo a atenção, a masculinidade tóxica se infiltra de tal maneira que ela é capaz de reproduzir e ampliar a misoginia que atravessa as formas todas de expressar o feminino em nossa sociedade: o colorido, o espalhafato, o glamuroso, o pintoso, o afetamento... Isso é coisa de mulher, isso é coisa de fresco – aqui sinônimo da “bixa”.

Esse processo reforça os estigmas de que toda “bixa” é passiva, que toda “bixa” vive atrás de “macho”, que toda “bixa” tem que obrigatoriamente só fazer amizades com mulheres... Prestem atenção! Não é só nos apps de relacionamento que elas são excluídas, elas também são cartas fora do baralho dos grupos de amigos. Como se uma “bixa” não pudesse ter amigos héteros, somente amigas héteros para quem elas desenham os melhores vestidos, fazem as maquiagens mais escândalo, fofocam sobre tudo e ainda ensinam sacanagens para as amigas fazerem com seus parceiros (caras que nas escondidas, muitas vezes, já ficaram com a “bixa”, só por curiosidade!)

Isso reforça a ideia de que as “bixas” não podem ser ativas em relações sexuais, que não podem gostar de esportes masculinos, que são incapazes de se relacionar com outras pessoas gays ou “bixas” como elas. Por que? Porque no imaginário heteronormativo e masculino em que estamos, a “bixa” é um tipo de arquétipo feminino, e, portanto, de menor valor.

Entendem onde quero chegar?! O padrão “sou gay mais não sou bixa” alimenta uma engrenagem de exclusões, de construção de estereótipos, de padronizações de comportamentos e corpos desejáveis, de permissões ou proibições, de isolamentos, o que, muitas vezes, aprisionam essas pessoas à condição de solidão, de carência afetiva, de problemas de autoestima, e, muitas vezes da completa certeza de serem seres descartáveis.

E se sairmos da letra G (Gays), o problema se aprofunda ainda mais. Mulheres lésbicas, bissexuais, transvestigêneres... Enfim, de alguma maneira, a masculinidade tóxica se mimetiza, sorrateiramente, e contamina as vivências, as convivências e as relações possíveis que podem existir entre as pessoas, independente de quem ela seja nas letrinhas do alfabeto. Independente de ela ser gay ou “bixa”.

*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).


*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).