Kalina Paiva

Natural de Natal/RN, é professora e pesquisadora do IFRN, autora de poesia e contos de terror.

13/09/2024 09h10

Escritos para Belisária

 

Quantas mulheres ainda estão escondidas nas entrelinhas da História, esperando serem resgatadas não de um castelo ou das garras de um dragão, mas do silenciamento sobre as suas histórias e seu protagonismo?

É o caso de Belisária Lins Wanderley, uma baronesa que viveu no século XIX em terras potiguares e protagonizou a libertação de pessoas escravizadas, antes da Lei nº. 3.353 de 1888, conhecida como Lei Áurea. Graças à atitude dessa mulher, nascida na cidade de Assú em 13 de outubro de 1836, já existiam homens escravizados libertos em Serra Branca desde 30 de março de 1880. A atitude serviu de inspiração para todo o município de Assú que abraçou a ideia referendando-a, de forma que três anos antes da Abolição da Escravatura, libertou todos os cativos em 24 de junho de 1885.

Conforme o trecho da ata de registro desse feito, disponível no site da Fundação José Augusto, a “cidade de Assu [sic!], Província do Rio Grande do Norte, na Igreja Matriz do Glorioso São João Batista, Padroeiro desta Freguesia, pelas 9 (nove) horas da manhã, onde se achava reunida, em sessão solene, a Sociedade Libertadora Assuense e presentes o Ilmº. Revmº. Arcipreste desta Província, Vigário Pedro Soares de Freitas, o Sr. Dr. Juiz de Direito da Comarca Ângelo Caetano de Souza Cousseiro, Presidente da Câmara Municipal, representantes da imprensa, numeroso concurso de pessoas gradas, senhoras, cavalheiros e grande massa de povo, foi pelo mesmo Revmº. Arcipreste aberta a sessão e lida, pelo Revmº. Vigário Antônio Germano Barbalho Bezerra, Presidente da mesma Sociedade, o documento pelo qual se demonstrou que a Cidade do Ass [sic!] está livre, e que dentro de sua circunscrição não existe um só escravo.”

Chama bastante atenção um detalhe na referida ata: as menções dos nomes masculinos. As senhoras são mencionadas no plural, de forma genérica, sem um destaque para quem teve a iniciativa, dona Belisária. É que, no século XIX, os documentos eram assinados por aqueles que exerciam funções na vida social das cidades, já que poucas eram as mulheres que desempenhavam papéis na vida pública. As poucas que atuaram para além do trabalho doméstico necessitaram da chancela de algum cidadão que apoiassem a causa das mulheres, como aconteceu com o sufrágio feminino.

Diante desse contexto, a reparação nos relatos oficiais sobre os processos abolicionistas no estado se faz necessário. Neste caso em específico, é o nome do esposo, Felipe Néri de Carvalho e Silva, o Barão de Serra Branca, que está desenhado pela tinta da História nas páginas já amareladas dos documentos. É claro que quando isso ocorreu, o movimento feminista estava engatinhando. Significa dizer que a busca das mulheres pela emancipação e igualdade de direitos necessitou de apoiadores.

A baronesa, que preferia ser chamada pelo nome e não pelo título, foi a última representante do período imperial no Rio Grande do Norte, falecendo na capital do estado, em 13 de abril de 1933. Até que essa reparação seja feita e a história de Belisária seja conhecida, a Associação Literária e Artística de Mulheres Potiguares (Alamp) empreende o resgate dessa figura importante, de forma pioneira, na obra Escritos para Belisária: a baronesa da liberdade, trazendo detalhes sobre tal acontecimento em terras potiguares e também homenageando essa figura feminina de forma artística.

Mediante pesquisas e entrevistas com familiares residentes em Assú, a obra tem um pé na metaficção historiográfica, como menciona Kelycia Morgana, assistente social, uma das coautoras e escritora da orelha da obra, “De muitas maneiras esta obra exalta a incessante luta de mulheres, [...] em busca de uma sociedade mais justa e igualitária, trazendo ao conhecimento de todas as pessoas, que se faça possível, a história, até então pouco comentada, por isso buscamos retratá-la com mais ênfase e entusiasmo e dentro de nossas possibilidades trouxemos o que podemos e que era de direito e merecimento.”

Organizada por Flauzineide de Moura Machado, presidente da Alamp, e Mona Lisa Machado, a coletânea é um relicário que reúne uma variedade de gêneros: poemas, ensaio, mini biografias, contos, artigos e cordéis, inspirados em pesquisas sobre a vida dessa mulher abolicionista até então pouco conhecida. O retrato da capa foi feito por Patrícia Rocha com a arte de Lano. As ilustrações do miolo foram criadas pela artista plástica Socorro Evangelista, membro da Alamp desde a sua fundação.

A própria história desse coletivo de mulheres revela um objetivo vanguardista em sua criação. Antes de ser Alamp, Flauzineide Moura iniciou em 2003 o Projeto Difusão da Literatura Feminina Potiguar (PDLFP), fato que coloca o seu nome como pioneira na valorização da produção de autoria feminina no estado. No ano de 2017, o coletivo ganhou vida em decorrência do Projeto.

O Rio Grande do Norte é mesmo um estado brasileiro vanguardista com uma potente força feminina que faz História e o movimenta.

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Evento de lançamento da obra:

Escritos para Belisária: a baronesa da liberdade

Data: 20 de setembro de 2024.

Horário: A partir das 17h.

Local: Palácio da Cultura / Pinacoteca Potiguar

Valor: 35 reais.

 

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Kalina Paiva

Natural de Natal/RN, é professora e pesquisadora do IFRN, autora de poesia e contos de terror.


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