Andreia Braz

29/12/2020 00h05
 
 
A magia do Natal
 
 
Eu fico com a pureza
Da resposta das crianças
É a vida, é bonita
E é bonita
 
                     Gonzaguinha
 
Nunca morri de amores pelo Natal. Às vezes, até acho esse período um pouco melancólico, talvez pela reflexão que nos impõe sobre o que fizemos no ano que está terminando, o que desejamos para o ano vindouro... Não vivenciei essa magia na infância, e talvez por isso não seja uma época tão relevante para mim. Não lembro de nenhuma festa de Natal ou mesmo de ter recebido qualquer presente do bom velhinho. Aliás, eu nem sabia da existência dele. Com o passar dos anos, e a convivência com a família que me adotou, quando eu tinha dez anos, fui modificando um pouco minha visão e entendendo melhor o significado dessa festa para muitas famílias. A partir de então, comecei a participar de ceias natalinas e festas de réveillon em nossa casa. 
 
Apesar dessa falta de empolgação/encantamento com o Natal, pelos motivos já citados, respeito profundamente os que cultivam a tradição e sei que ela tem um significado muito especial para algumas pessoas, sobretudo para quem vive longe da família. Admiro demais, por exemplo, aquelas pessoas que são do interior e, nessa época, viajam para encontrar seus familiares. Esse ano, por exemplo, precisei sair de casa no dia 24 de dezembro, e presenciei algumas cenas comoventes que remetem a isso na parada de ônibus de um shopping da cidade. Uma dessas famílias me chamou a atenção. Uma mulher jovem, mãe de duas meninas, aguardava o marido enquanto as crianças comiam pipoca e alguns doces. Cada uma delas segurava uma boneca. Quando o homem chegou, a criança menor atirou-se em seus braços numa alegria contagiante. 
Talvez o ano de 2020 tenha contribuído para mudar um pouco minha relação com o Natal e tenha me ensinado a valorizar mais esses momentos em família, embora eu acredite que a festa seja um reflexo do que é vivenciado/partilhado ao longo do ano. É realmente uma festa cheia de significado quando se deseja a presença do outro, quando se quer presentear aqueles de quem se gosta. Esse ano não pude me reunir com minha família e passei o Natal na casa de uma amiga-irmã, Ana Cláudia Trigueiro, com os devidos cuidados: encontro realizado em uma área aberta e bastante ventilada, nenhum contato físico, máscara, álcool em gel e o distanciamento recomendado pelas autoridades de saúde. Ainda assim, pude vivenciar a magia daquele momento e sentir o afeto dos presentes.
 
Algumas situações me comoveram bastante nesse final de ano e me fizeram repensar alguns conceitos e valorizar ainda mais os momentos mais simples vivenciados ao lado de familiares e amigos. Mateus, meu vizinho de dez anos, me convidou para passar o Natal em sua casa. Talvez por saber que moro sozinha, ele imaginou que eu não teria companhia nessa noite especial. Achei a coisa mais linda quando ele disse: “Tia, eu falei com mamãe e perguntei se a senhora poderia passar o Natal com a gente”. Outro dia, minha amiga Cícera Moura enviou-me umas fotos lindas da cartinha de Glenda, sua filha de seis anos, para o Papai Noel. Glenda está se alfabetizando e fez a cartinha, superilustrada, com a ajuda da mamãe, pois ainda não sabe escrever algumas palavras. Ela diz que se comportou bem durante o ano e por isso deseja ganhar seu presente. Marina, seis anos, filha da minha amiga Daianny Costa, em sua cartinha ao bom velhinho, disse que ele poderia trazer o que pudesse esse ano. Resultado da primorosa educação/formação de valores dos papais Daianny e Welter Melo.
 
Nesse contexto de pandemia, as crianças também demonstraram preocupação com o bom velhinho, por ele ser do grupo de risco. Sigo um grupo no Instagram de frases de crianças e vi algumas declarações interessantes sobre o assunto, alguns deles dizendo que o Papai Noel deveria ficar em casa esse ano e coisas do tipo. 
 
Outro momento emocionante envolvendo crianças foi um vídeo enviado pela amiga Dorinha Ferreira, poeta de Palmares/PE, que veio passar as festas de final de ano com o filho que mora em Natal. Geyson Eliakim é casado com Adriana Gabriel, minha amiga. Eles são pais de Cecília, nove anos, e Valentina, quatro anos. Cecília é uma leitora voraz e usou a maior parte do tempo em isolamento social para devorar, entre outros livros, a famosa série dos romances de fantasia de Harry Potter. Além disso, começou a escrever depois de estudar o gênero poesia em suas aulas de língua portuguesa. Seu primeiro poema, “Véspera de Natal”, foi lido durante a festa de Natal realizado na casa dos avós maternos. Quero presenteá-la com uma edição ilustrada de “Pollyana”, de Eleanor H. Porter, obra que marcou minha adolescência.
 
Ainda sobre a magia do Natal. Da galeria de cenas comoventes, destaco estas: uma senhora sendo fotografada pela filha junto à decoração natalina de um shopping de Recife. Depois, saíram de mãos dadas. As máscaras não permitiram ver seus sorrisos, mas os olhares cúmplices denunciavam a alegria de ambas. Outro dia, em um shopping de Natal, vi um casal de idosos sendo fotografados junto ao Papai Noel e a delicadeza daquela cena me fez perceber a magia dessa época do ano e o quanto ela significa para tantas pessoas. Que não deixemos morrer a criança que existe em cada um de nós, ela nos traz alegria, afeto, esperança.
 
Um especial de Natal exibido pela Rede Globo no último dia 20, também foi motivo de alegria e reflexão sobre essa época do ano. No especial  “Juntos A Magia Acontece”, uma menina de nove anos cria um plano mirabolante para transformar o avô em Papai Noel. O simpático vovô é interpretado por Milton Gonçalves. A família está enfrentando um momento doloroso após a partida da matriarca, interpretada por Zezé Motta, e o clima de Natal traz um novo significado à vida de todos, que se unem para presentear as crianças do bairro de Madureira e festejar essa data importante, apesar das adversidades enfrentadas naquele momento. O tema do racismo também é discutido no programa.
 
Voltando à minha relação com o Natal. Uma lembrança boa que tenho do Natal em família foi uma festa organizada pelo meu cunhado Moreira Júnior, que não está mais entre nós. Ele organizou a ceia com Pedro Vitor, meu sobrinho. Júnior adorava cozinhar e reunir as pessoas em torno da mesa. Também lembro com afeto as comidas preparadas com muito amor por minhas irmãs, especialmente Clara, Cicinha e Tereza, meus sobrinhos, Aline, Juliana, Isabela, Larissa, Pedro. Também gosto do momento das fotos, que é sempre muito divertido e rende boas gargalhadas e registros únicos.
 
O que eu mais gosto do final de ano são os planos que fazemos para o ano vindouro, essa perspectiva de mudança e novas conquistas me deixa feliz e mais confiante na vida. E tudo isso ganhou um significado ainda mais especial depois de vivenciarmos um ano tão difícil, em meio a uma pandemia, que nos obrigou a ficar distante dos amigos, colegas de trabalho, familiares. A magia do Natal ganhou outro significado após tudo que vivenciamos esse ano. Se há uma lição que aprendi com tudo isso foi esta: não temos o controle de nada e tudo é transitório. Por isso, sigo acreditando nas palavras do mestre Vinicius: “E a coisa mais divina que há no mundo é viver cada seguindo como nunca mais”
 

*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).