Andreia Braz

01/02/2021 13h00
 
Sobre atividades domésticas e formação de valores
 
Hoje, durante a boa e velha caminhada matinal, vi uma cena que me chamou atenção. Um homem estava limpando a calçada enquanto uma menina o ajudava abrindo o saco para que ele colocasse o lixo. A menina, de cabelos lisos e franja, aparentava ter uns seis ou sete anos. Sorridente, realizava seu trabalho enquanto conversava com o pai. Aquela cena me fez pensar em diversas coisas, uma delas foi a importância de a criança/adolescente participar das atividades domésticas e, de acordo com sua idade, ter algumas responsabilidades em casa. 
 
Outro dia vi na internet um quadro indicando as atividades domésticas recomendadas de acordo com a faixa etária da criança e do adolescente. Crianças de quatro a cinco anos já podem regar as plantas, separar o lixo e ajudar a pôr a mesa. Crianças de nove a onze anos, por exemplo, podem guardar a louça e cuidar de animais de estimação. Preparar pequenas refeições e colocar a roupa para lavar são algumas das atividades recomendadas dos dez aos catorze anos.
 
Essas dicas me fizeram lembrar de Letícia Xavier, minha sobrinha de treze anos, que desde cedo realiza atividades domésticas e adora ajudar a mãe a organizar as coisas em casa. Inclusive, tem um vídeo muito fofo que a gente adora assistir juntas (sempre morrendo de rir), de quando ela tinha uns dois anos e está numa cadeira lavando a louça. Tem uma hora que ela diz: “vou deixar tudo ‘cheuoso’ pra quando mamãe chegar”. Além de cuidar de sua gatinha Ariel, Letícia arruma seu quarto, lava louça, organiza a cozinha e prepara refeições rápidas. É sempre uma alegria visitá-la e desfrutar dos seus cuidados e afeto, o que infelizmente não tem acontecido por causa da pandemia. Adoro conversar com ela e ficar antenada sobre vídeos, filmes e cantores do momento. Inclusive, ela fez aniversário no último dia 22. Raphaela, sua irmã de 14 anos, também prepara comidas rápidas e ajuda a mãe em outras atividades cotidianas. Adoro quando elas preparam essas comidinhas pra gente, enquanto conversamos sobre as novidades do momento. É assunto que não acaba mais. Cada uma que tenha mais coisas pra contar. Tem dias que a gente também prefere uma pizza ou um outro prato de que elas gostem. 
 
Meu sobrinho Davi tem um ano e dez meses e os pais, Talita e André, já estão lhe ensinando a guardar seus brinquedinhos depois que ele termina de brincar. É comovente o senso de organização que ele tem. E por falar em atividades domésticas e infância, é superimportante que as crianças sejam envolvidas em algumas dessas atividades. Assim, vão entendendo, gradativamente, como funciona a organização da casa e, principalmente, que as coisas não se arrumam/limpam sozinhas e por isso cada um precisa dar sua contribuição para que todos possam desfrutar de um ambiente limpo e organizado, o que contribui, inclusive, para a nossa saúde mental. 
 
Outra cena marcante desse final de semana também envolveu criança. Minha amiga Tereza Laíse, escritora, terapeuta holística e palestrante, mostrou uma cena superbonita no seu Instagram: Marcelo, seu esposo, ensina os filhos gêmeos Joaquim e Nina, cinco anos, a envernizar um banco que será colocado no jardim. Pacientemente, ele explica como deve ser usado o pincel para passar o verniz no móvel. Achei tão bonito aquele momento e fiquei pensando como deve ser bom ter um pai que nos ensine coisas importantes como cuidar dos objetos que temos em casa, por exemplo. Momentos simples, mas de grande valor para a família. Tenho certeza que os meninos vão crescer sabendo valorizar o esforço dos pais para que tenham uma casa organizada e aconchegante. Marcelo e Laíse ainda são pais de Benjamim, dez anos.
 
Essas cenas comoventes me fizeram pensar no quanto nós adultos temos a aprender quando o assunto é divisão de tarefas domésticas. Outro dia uma amiga estava se queixando de que a maior parte dos conflitos com o marido está relacionada às atividades domésticas, ou, melhor dizendo, à sobrecarga de atividades que ela passou a enfrentar desde que decidiram morar juntos. Além do seu trabalho como professora de inglês, cuida sozinha dos afazeres da casa e isso estar sendo motivo para discussões frequentes com seu companheiro, que, aliás, sempre usa a justificativa da falta de tempo. Detalhe: ele também é professor.
 
Outro exemplo emblemático é o de um casal de amigos que estão juntos há cinco anos, mas com uma relação bastante conturbada e cheia de idas e vindas, especialmente depois que passaram a dividir o mesmo teto, há dois anos. Quando namoravam, chegaram a terminar algumas vezes, mas sempre se reconciliavam. Marcelo se queixa de que João deixa tudo espalhado pela casa (quando vai sair, fica perguntando onde está carteira, a chave do carro), não coloca a própria roupa na máquina de lavar e acumula a louça suja quase todo dia. Isso sem falar na bagunça do quarto. Marcelo propôs uma divisão de tarefas e fez até um quadro para afixar na cozinha com as obrigações diárias de cada um. Ele se dispôs a fazer a comida e cuidar dos dois cachorros, enquanto João deveria lavar a louça, agoar as plantas e lavar a roupa da casa uma vez por semana. A agenda não foi cumprida por João. Os conflitos se intensificaram durante a pandemia. Ambos são professores universitários e estão trabalhando no sistema home office há quase um ano, o que os obrigou a conviver praticamente o dia inteiro. Resultado: estão em processo de separação. 
 
Mas nem só de exemplos negativos será constituída nossa crônica semanal, meu caro leitor. Quando penso em homens que cumprem seu papel de forma exemplar dentro de casa, lembro dos meus próprios irmãos que são casados, Jonas, Anchieta, Paulo e André, e fazem o que deveria ser feito por todos os homens: dividem com suas companheiras a responsabilidade dos afazeres domésticos e o cuidado com os filhos, com exceção de Paulo, que ainda não tem filhos. E, não custa lembrar, eles não estão “ajudando” suas companheiras, estão apenas fazendo o que deve ser feito. Meu amigo Mário César Trigueiro é outro exemplo de pai dedicado e amoroso que divide com a mulher as tarefas domésticas. Cozinheiro de mão cheia, faz tudo com muito amor e adora receber os amigos em casa, sempre com petiscos deliciosos ou um churrasco feito no capricho. Ana Cláudia Trigueiro sempre elogia o companheirismo do marido.
 
Toda essa discussão nos faz pensar na estreita relação que existe entre o trabalho doméstico e o machismo. Afinal, ainda é muito arraigada a crença de que esse tipo de atividade é coisa de mulher. É muito mais comum do que pensamos essa realidade, por mais que os tempos sejam outros, que a mulher esteja emancipada... Ainda temos muito o que evoluir quando o assunto é machismo. Aliás, isso seria tema para outra crônica.
 
Certa vez presenciei uma situação no mínimo inusitada em um bar de João Pessoa. Enquanto tomava uma cerveja e contava alguns causos de sua cidade, um colega estava se queixando aos amigos de que a mulher não lavara suas cuecas (só havia duas cuecas na gaveta). Inacreditável, né? Eles estavam brigados e ela tinha viajado por tempo indeterminado para a casa de uma das filhas. Segundo ele, as filhas sempre apoiavam a mãe. Tentei lhe explicar que aquela não era uma obrigação de sua mulher e que ele mesmo deveria ter aprendido a cuidar de suas próprias coisas. Ao invés de repensar a situação e/ou mudar esse hábito, ele disse que compraria novas cuecas.
 
Talvez a educação seja o caminho possível para mudar essa realidade e desconstruir certos comportamentos e estereótipos relativos à divisão do trabalho doméstico. Que a sociedade seja menos hostil com a mulher e que nossas crianças e adolescentes aprendam desde cedo a participar das atividades domésticas e valorizar o trabalho realizado por suas mães, especialmente, ou por quem é responsável por sua criação, o que também envolve afeto e respeito ao outro. Afinal, todos devem cuidar do lugar onde moram.
 

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