Natural de Natal/RN, é professora e pesquisadora do IFRN, autora de poesia e contos de terror.
As 365 fatias do tempo
Temos vivido freneticamente. Reflexo disso é que transformamos nosso ano inteiro em um verdadeiro plano de metas. O paradoxo é que, às vezes, em tom de questionamento, reclamamos porque o mês está demorando a passar. Daí, o final do ano chega, as águas do ano seguinte começam a molhar os nossos pés e desabafamos: “Esse ano passou voando!”.
Não é apenas impressão sua. Segundo os cientistas, a Terra, de fato, está girando mais rápido agora do que nos últimos 50 anos, afetando o tempo que, por sua vez, está passando feito foguete. A minha pergunta para você que lê esse texto é: você está vivendo um dia de cada vez? Enquanto você a respeito, vou prosseguindo, pois o tempo está passando.
Gostaria muito de partilhar uma experiência de algum leitor ou leitora que conseguiu “quebrar o relógio”, domar as horas em 2023, para servir de inspiração para outras pessoas no ano vindouro, mas o tempo não me permitiu fazer isso. No meu entorno, com as que converso, independente de credo, etnia, classe social, o tempo é uma panela de óleo fervendo.
Em fina ironia, Machado de Assis o metaforizou na figura de uma criação humana, o relógio: “O mais feroz dos animais domésticos é o relógio de parede. Conheço um que já devorou três gerações da minha família.” Como não lembrar de Cronos regendo destinos, sendo o pai que devora os próprios filhos?
Insisto na pergunta inicial: você está vivendo um dia de cada vez? Em um mundo de muitas cobranças para sermos multitarefas e infalíveis, no qual a grande rede tem abocanhado nossas horas e vivemos mediados pelas telas, precisamos admitir: estamos distraídos durante as 24 horas que nem as vemos passar. Tão distraídos que, quando não cumprimos o plano de metas anual, esquecemos de ver os pequenos milagres da vida e até mesmo os nossos pequenos avanços no dia a dia, em cotejamento mesmo. O mundo externo nos mede pela falta em tarefas diárias.
Viver um dia de cada vez tem implicações relacionadas diretamente com o tempo e tudo aquilo que colabora para a distração do nosso foco no que, realmente, é essencial. Que, em 2024, possamos ressignificar nossos relógios. Desejo que o próximo ano seja um bolo servido no chá da tarde, cortado em 365 generosas fatias a serem degustadas uma a uma, sobretudo com os que amamos.
Para finalizar, deixarei alguns conselhos em forma de poesia, extraídos do livro Cantigas de Amor e Guerra, pois o último “sextou” do ano pede isso.
Conselhos
Senta com quem te faz poesia e faz brotar o amanhã
dentro de uma xícara de café, ou de uma taça de vinho.
Ouve quem tem pernas cansadas
e vitalidade para viver mais duas ou três vidas ainda nesta.
Partilha teu pão com os insanos
porque eles carregam bálsamos para tempos difíceis.
Aprende a trocar um verso do teu poema em desapego
e multiplicarás os teus dias em tempos de guerra.
Caminha com quem te faz revisitar tua coragem.
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Sobre mim:
Kalina Paiva, professora, pesquisadora, escritora e produtora cultural.
Natural de Natal-RN, professora do IFRN, pesquisadora em Literatura Comparada e mídias e escritora de poesia e contos. Líder do Núcleo de Pesquisa em Ensino, Linguagens, Literatura e Mídias (NUPELLM) do IFRN e membro do Núcleo Câmara Cascudo de Estudos Norte-rio-grandenses. Membro da União Brasileira dos Escritores - Seção Rio Grande do Norte (UBE/RN), da Sociedade dos Poetas Vivos e Afins do RN (SPVA), do Mulherio das Letras Nísia Floresta, e da Associação Literária e Artística de Mulheres Potiguares (ALAMP); Coordenadora de Letras e Literatura do Movimenta Mulheres RN.
*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).