Kalina Paiva

Natural de Natal/RN, é professora e pesquisadora do IFRN, autora de poesia e contos de terror.

21/06/2024 09h39

Onde seu filho corre perigo?

Esta semana viralizou um vídeo com o pastor André Valadão encorajando pais a não permitirem que seus filhos façam faculdade. Em sua justificativa, ele afirma que ter acesso ao curso superior é o mesmo que enviar para o inferno a alma dos jovens, ainda perguntando aos presentes se querem que suas filhas sejam “vagabundas”. Como opção de saída, ele sugere que os presentes mandem seus filhos venderem picolé na garagem de casa. Isso foi dito no púlpito como parte da sua “pregação”, aplaudida por alguns presentes.

A igreja que recebeu essa mensagem é a Lagoinha Orlando Church, localizada nos EUA. O perfil dos seus fiéis: brasileiros que foram em busca do “sonho americano” para trabalhar no setor de prestação de serviços que os próprios estadunidenses não desejam realizar. Era para esse público que ele estava pregando.

O referido pastor fez curso no Centro de Treinamento Bíblico Rhema, fundado por Kenneth Hagin, em 1974, instituição que disseminou a Teologia da Prosperidade e colabora até hoje para sustentar o lema da meritocracia. Essa ideologia reforça a separação das classes, abrindo um abismo social, longe, bem longe da justiça que Jesus pregava. Seus maiores adeptos no Brasil: R. R. Soares, Bispo Valdemiro Santiago, Edir Macedo - três referências que tornaram seus templos em negócio rentável e respondem a vários processos trabalhistas de pessoas que “serviram” em seus espaços religiosos.

 

Sobre o último citado, vou trazer aqui o conteúdo de um vídeo na mesma linha do que citei na abertura deste artigo, pois não é a primeira vez que as universidades e a ciência são atacadas nesse período de obscurantismo pelo qual o Brasil está passando. Em um sermão, o bispo Edir Macedo, proprietário do Grupo Record e da Igreja Universal do Reino de Deus, orientou fiéis a não permitirem que as suas filhas estudem para que não tenham uma formação maior que a do marido e cita as próprias filhas que só estudaram até o Ensino Médio e estão casadas com americanos. Ele só omitiu da plateia que elas são herdeiras de um patrimônio estimado em 1,9 bilhão de dólares.

Tais orientações reverberam sobre as famílias, criando uma bolha de pessoas alimentadas a terem ódio das universidades e da ciência. Isso tem um custo para a sociedade.

Nos últimos anos, a poliomielite (paralisia infantil) e o sarampo que estavam erradicados voltou. E o Brasil é referência em vacina. Mais recentemente, em Santa Catarina, um surto contagioso de sarna acometeu pessoas em Balneário Camboriú. Elas não puderam ser tratadas pela medicação adequada (a cloroquina), pois haviam tomado em demasia para debelar a covid (sem comprovação científica) e, agora, não faz mais efeito para tratar a sarna.

Por traz dessas atitudes tomadas pela população, existe uma doutrinação acontecendo nos templos e células das igrejas, nos grupos de WhatsApp, sem falar nos quatro anos de propaganda política (especificamente de 2019 a 2022), atacando as universidades e a ciência, com uma enxurrada de fake news.

O analfabetismo funcional é incentivado dentro das Igrejas que se alinham com essa ideologia defendida pelos dois pastores citados porque serve a um propósito, na verdade, é um projeto político. É dessa forma que eles garantirão membros nas igrejas, caminhando numa relação de codependência emocional – esses líderes sabem que as pessoas procuram os templos como um pronto-socorro espiritual para as dores do corpo e da alma – ainda alimentando o ódio personificado em discursos. E o ódio, meus caros leitores, é uma droga poderosa que assegura a alienação, a intolerância e a segregação necessárias a esse projeto político. Eles sabem disso.

Ter nas mãos um público que não estuda garante a essas pessoas inescrupulosas a terceirização da compreensão do evangelho. Se os membros da igreja estudarem o evangelho verdadeiramente e com acuidade, perceberão o quanto Jesus foi assertivo com gente desse tipo: “Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas, porque percorrem terra e mar para fazer um convertido e, quando conseguem, vocês o tornam duas vezes mais filho do inferno do que vocês.” - Fala de Jesus em Mateus 23:15. Vale a pena estudar todo o capítulo, pois é esclarecedor.

Gosto de Jesus porque ele “desenhava” com parábolas para que as pessoas O entendessem. O discurso sempre foi claro, límpido, reto. Vou destacar uma das passagens que amo por ser igualmente esclarecedora: “E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre; O Espírito de verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece; mas vós o conheceis, porque habita convosco, e estará em vós.” – Jesus em João 14:16-17.

Nesse momento antes da crucificação, o Mestre reaparece para se despedir dos discípulos, deixando claro que seu corpo físico não ficaria na Terra, porém deixaria o seu Espírito Santo, advertindo-os a não procurar fora e sim dentro deles mesmos.

Aproveito para abrir um pequeno parêntese sobre a vida de Jesus. Os relatos sobre ele possuem um intervalo. Dos 12 aos 30 anos, pouco se sabe a respeito, pois ele estava fazendo algo que muita gente nessa idade faz: estudando. Especula-se que foi se especializar no Norte da Índia, com passagem pelo Tibet.

Encerro com uma pergunta para você que está lendo esse texto: onde seu filho corre perigo?

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Sobre mim

 

Kalina Paiva, professora do IFRN - Campus Natal-Central, é natural de Natal/RN. É autora de poesia e contos de terror. Gatilhos Poéticos (2022), Cantigas de amor e guerra (2023) são seus livros mais recentes. Membro da União Brasileira dos Escritores - Seção Rio Grande do Norte (UBE/RN), da Sociedade dos Poetas Vivos e Afins do RN (SPVA), do Mulherio das Letras Nísia Floresta, e da Associação Literária e Artística de Mulheres Potiguares (ALAMP); Coordenadora de Letras e Literatura do Movimenta Mulheres RN. É pesquisadora na área de Literatura, História e memória, e mídias. Instagram: @kalinissima

 


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